OS ESTADOS SOVIÉTICOS DA AMÉRICA

É Neill Ferguson, importante historiador e pensador quem o diz, o orçamento de defesa dos EUA excede o de todos os outros membros da NATO juntos. Mas o que esse orçamento de defesa compra? É suficiente para enfrentar a coligação de China, Rússia, Irão e a Coreia do Norte. 

As forças armadas da América já não são tão modernas, parece que faltam certos equipamentos, o financiamento gigantesco já não supre suas 800 bases e sua imensa marinha. Há uma penumbra se formando no horizonte, já se tornando um nevoeiro. Os adversários já perceberam isso daí. O governo federal dos EUA gasta mais no serviço da dívida do que no da defesa, cujo gasto já é enorme.  

A parcela do produto interno bruto destinado ao pagamento de juros da dívida federal está crescendo, e o custo crescente da dívida reduz os gastos com a defesa. É um problema quando os EUA enxergam cada vez mais ameaças no novo Eixo, liderado pela China. E parece que os EUA nunca resistem à tentação de dobrar suas apostas, como numa bola de neve no meio do nevoeiro.

Ferguson vê muitas semelhanças políticas, sociais e culturais nos EUA e na velha URSS. Uma liderança gerontocrática foi uma das marcas da liderança soviética tardia, personificada pela senilidade de Leonid Brezhnev, Yuri Andropov e Konstantin Chernenko. Pensou em algum americano atual? 

Segundo os atuais padrões americanos, os últimos líderes soviéticos não eram tão velhos. Brezhnev tinha 75 anos quando morreu, em 1982, sofrera seu primeiro derrame grave sete anos antes. Andropov tinha apenas 68 anos quando sucedeu Brezhnev, teve insuficiência renal poucos meses depois de assumir o cargo. Chernenko tinha 72 anos quando chegou ao poder, já era um inválido, sofrendo de enfisema, insuficiência cardíaca, bronquite, pleurisia e pneumonia. Não havia muita medicina na URSS de então...

Os americanos atuais, sobretudo, presidentes, gozam dos serviços dos melhores médicos e da melhor tecnologia dos EUA, o que não é pouco, então podem ser mais velhos e mais saudáveis. No entanto, Joe Biden (81) e Donald Trump (78) dificilmente são homens no auge de suas vitalidades. O primeiro não consegue distinguir entre os seus dois secretários de gabinete hispânicos, Alejandro Mayorkas e Xavier Becerra. Trump, que parece um touro de forte, confundiu Nikki Haley e Nancy Pelosi.  

Uma outra característica notável da vida soviética tardia foi o total cinismo público em relação a quase todas as instituições. 

 No "cair na real" desencadeado pela política da glasnost de Gorbachev, os cidadãos soviéticos expressaram o seu descontentamento, podiam dizer mesmo o que pensavam a uma imprensa subitamente livre. Parte do que escreveram era específico do contexto soviético – em particular, as revelações sobre as realidades da história soviética, ressentimentos especialmente com os crimes da era Stalin. Só que reler as queixas dos russos sobre as suas vidas na década de 1980 é muito parecido com alguns prenúncios sinistros do presente cidadão americano.

Numa carta ao Komsomolskaya Pravda de 1990, por exemplo, um leitor russo criticou a “horrível e trágica perda da moralidade dentro das fronteiras da URSS.”, mencionou os graves sintomas de debilidade, de desânimo moral,  apatia, hipocrisia, cinismo, servilismo e delação. O país, escreveu ele, estava sufocando num “miasma de mentiras públicas e demagogias descaradas e incessantes”. 

 Em Julho de 1988, 44 por cento das pessoas entrevistadas pela Moskovskie novosti sentiam que a sua sociedade era uma “sociedade injusta”.

Agora veja, basta olhar para as pesquisas mais recentes da Gallup sobre a opinião americana e encontrar uma desilusão bem parecida. A percentagem do público que confia no Supremo Tribunal, nos bancos, nas escolas públicas, na presidência, nas grandes empresas tecnológicas, no trabalho etc, está em torno de 25%. Para os jornais, o sistema de justiça criminal, os noticiários televisivos, as grandes empresas, o Congresso, estão abaixo dos 20%. Para o Congresso, são 8%. A confiança média nas principais instituições é aproximadamente metade da que era em 1980.

Os jovens americanos estão tendo muitos problemas de saúde mental – alguns dizem que é por causa das redes sociais, jogos de internet etc. Já os americanos mais velhos estão sucumbindo por puro "desespero”, há um aumento de mortes por "desespero" entre americanos brancos de meia-idade. Pesquisas mais recentes mostram que os afro-americanos morrem tanto quanto seus contemporâneos brancos quando se trata de mortes por overdose. Em 2022, mais americanos morreram de overdose de fentanil do que em três grandes guerras: Vietna, Iraque e Afeganistão.

Dados recentes sobre a mortalidade americana são chocantes, a esperança de vida diminuiu nesta última década. As principais explicações, de acordo com as Escolas de Medicina, são o aumento das mortes devido a overdoses de drogas, o abuso de álcool e o suicídio. Muitas doenças se associam à obesidade. Para ser mais preciso, entre 1990 e 2017, as drogas e o álcool foram responsáveis por mais de 1,3 milhões de mortes entre a população em idade ativa (dos 25 aos 64 anos). O suicídio foi responsável por 569.099 mortes – de americanos em idade produtiva. Causas metabólicas e cardíacas como hipertensão, diabetes e doenças coronárias, também aumentaram junto com o problema geral da obesidade.

Essa inversão da expectativa de vida não está piorando em outros países desenvolvidos do G7.

Europa Ocidental, Reino Unido e Austrália, por exemplo, lutam para “fornecer assistência comunitária em todas as fases da vida, protegendo indivíduos e famílias do total desespero.” Nos Estados Unidos, no entanto, “sintomas de desespero" são definidos como um distúrbio ou desregulação dentro do indivíduo, é um problema particular do próprio indivíduo, ou seja, o problema é encarado como um problema que o próprio indivíduo causou a si mesmo. E dá-lhe medicamentos para ansiedade, depressão, raiva, psicose, obesidade, novos medicamentos para tratar viciados ...., é obeso? Ozempic....

Ferguson fala, é impressionante, em autodestruição em massa dos americanos, morte pelo desespero!! O que que é desespero? É falta de esperança! Onde já se viu isso? Lá no final da União Soviética e na Rússia pós-soviética, na terrível última década do século XX e primeros anos do século XXI. A esperança de vida masculina melhorou nos países ocidentais, no final do século XX, na União Soviética começou a diminuir depois de 1965, recuperou-se brevemente em meados da década de 1980, e depois caiu de um penhasco no início da década de 1990. A taxa de mortalidade entre homens russos com idades compreendidas entre os 35 e os 44 anos, triplicou entre 1989 e 1994. 

 A explicação é tão clara quanto uma boa vodka Stolichnaya, em julho de 1994, dois estudiosos russos, Alexander Nemtsov e Vladimir Shkolnikov, publicaram um artigo, no jornal Izvestia, com o memorável título “Viver ou Beber?” Nemtsov e Shkolnikov demonstraram “uma relação perfeita entre estes dois indicadores”. A continuação dessa relação poderia ser, “Viver ou Fumar?” – já que o câncer de pulmão era outra grande razão pela qual os homens soviéticos morriam jovens. Uma cultura de consumo excessivo de álcool e de tabaco foi facilitada pelos preços baixíssimos dos cigarros sob o regime soviético, e pelos preços baixíssimos do álcool após o colapso do comunismo. 

Uma análise de 25.000 autópsias realizadas na Sibéria entre 1990 e 2004 mostrou que 21% das mortes de homens adultos devido a doenças cardiovasculares envolveram altos níveis de etanol no sangue. O tabagismo foi responsável por impressionantes 26% de todas as mortes masculinas na Rússia em 2001. Os suicídios entre homens de 50 a 54 anos atingiram 140 por 100.000 habitantes em 1994, uma taxa extravagante.

A autodestruição do homo sovieticus foi terrível, no entanto a autodestruição do homo americanus se lhe aproxima, perigosamente.

É claro que os dois sistemas de saúde parecem superficialmente bastante diferentes, o sistema soviético tinha muito menos recursos.... Vamos ver, no centro do desastre da saúde americana, pelo contrário, existe um enorme defasamento entre as despesas – que não têm rival internacionalmente em relação ao PIB – e os resultados, que são terríveis. Mas, tal como o sistema soviético como um todo, o sistema de saúde dos EUA evoluiu de modo que um conjunto de interesses financeiros sobrepujou o próprio interesse com a saúde humana. Uma burocracia inchada e disfuncional, brilhantemente parodiada na série South Park, num episódio recente – é ótima para a nomenklatura, péssima para a prole.

Entretanto, vejam, o red neck não se salva, tal como no final da União Soviética, os caipiras do meio oeste, a classe trabalhadora das regiões industriais, e também uma boa fatia da classe média – bebem e se drogam até morrer, enquanto a elite política e cultural se dobrou a  uma ideologia estranhamente bizarra, a qual ninguém realmente entende ou acredita, mas repete por pura precaução, já vou falar disso daí. 

 Na União Soviética, as grandes mentiras eram que o Partido e o Estado existiam para servir aos interesses dos trabalhadores e camponeses, e que os Estados Unidos e os seus aliados eram imperialistas irremediáveis, pouco melhores do que os nazis tinham sido na “Grande Guerra Patriótica”. A verdade foi que a nomenklatura, ou seja, os membros da elite do Partido, formou uma classe com os seus próprios privilégios, muitas vezes hereditários, relegando aos trabalhadores e aos camponeses à pobreza ou à servidão

 Staline falhou totalmente em prever a invasão nazi da União Soviética, e depois tornou-se o mais brutal imperialista por seu próprio direito.

As falsidades equivalentes na América soviética tardia são que as instituições controladas pelo Partido (Democrata) – a burocracia federal, as universidades, as principais fundações, a maioria das grandes corporações – estão dedicadas a promover minorias raciais e sexuais até então pouco expressivas, e que os principais objectivos da política externa dos EUA são combater as alterações climáticas e (como diz Jake Sullivan) ajudar outros países a defenderem-se “sem enviar tropas dos EUA para a guerra”.

Na realidade, as políticas para promover “diversidade, equidade e inclusão” não ajudam em nada as minorias pobres. Em vez disso, os únicos beneficiários parecem ser uma horda de “oficiais” lobistas. Estas iniciativas parecem minar os padrões educativos, mesmo nas escolas médicas de elite se encoraja a mutilação de milhares de adolescentes em nome da “cirurgia de afirmação de gênero”.

Quanto à atual direção da política externa dos EUA, não se trata exatamente de ajudar outros países a se defenderem, mas sim de incitar outros países a "combater os nossos adversários", no entanto, suas chances de vitória parecem distantes. Esta estratégia –.bem visível na Ucrânia – faz algum sentido para os Estados Unidos, que descobriram, na sua “guerra global ao terror”, que os seus tão alardeados militares não conseguiram derrotar nem mesmo os desorganizados Taliban, após vinte anos de esforços. Só que acreditar nas lisonjas americanas pode, em última análise, condenar a Ucrânia, Israel e Taiwan a seguirem o caminho do Vietnã do Sul e do Afeganistão.

 Quanto às alterações climáticas, o mundo está agora inundado de veículos elétricos, baterias e células solares chinesas, todos produzidos em massa com a ajuda de subsídios estatais e centrais elétricas a carvão, na China. 

Os estadunidenses bem que resistiram bravamente à estratégia soviética de libertar o 3º mundo através do marxismo-leninismo, o custo humano na América Latina, na época das ditaduras, foi bem pesado, para não dizer mortifero. Hoje, eles estão muito mais ocupados com as "alterações climáticas", uma total incoerência estratégica em comparação com o inimigo de outrora, algo bem mais tangível. O fato bruto é que a China foi responsável por três quartos do aumento de 34% nas emissões de dióxido de carbono desde o nascimento de Greta Thunberg (2003) e por dois terços do aumento de 48% no consumo de carvão.

Para ver a extensão do abismo que separa agora a nomenklatura americana dos trabalhadores e camponeses soviéticos, vejam, uma pesquisa recente considerou “aqueles com pós-graduação, renda familiar superior a US$ 150 mil anuais, vivem em um CEP com mais de 10 mil pessoas por quilômetro quadrado” e frequentaram “escolas da Ivy League ou outras escolas particulares da elite, incluindo Northwestern, Duke, Stanford e a Universidade de Chicago.” Questionados se seriam a favor do “racionamento de gás, carne e electricidade” para "combater as alterações climáticas", 90 por cento dos membros da Ivy League disseram que sim, contra 30 por cento das "pessoas normais". Questionados se pagariam pessoalmente mais 500 dólares em impostos para "combater as alterações climáticas", 75% dos membros da Ivy League disseram que sim, contra 25% dos comuns. “Os professores devem decidir o que os alunos aprendem, e não os pais”, foi uma afirmação com a qual 70 por cento dos membros da Ivy League concordaram, quase o dobro da porcentagem dos cidadãos comuns. “Os EUA oferecem muita liberdade individual?” Mais da metade dos membros da Ivy League disseram que sim; apenas 15% dos mortais comuns o fizeram. 88 por cento dos membros da Ivy League disseram que as suas finanças pessoais estavam melhorando, já o cidadão comum, 4 em cada 5 dizem que as coisas estão piorando. 

Uma ideologia falsa em que quase ninguém acredita, mas todos têm de papaguear, a menos que queiram ser rotulados de negacionistas ou deploráveis? Uma população que já não considera o patriotismo, a religião, o fato de ter filhos ou o envolvimento com a própria comunidade como importantes? 

Já imaginou vc ter de encarar um desastre, algo que vai expôr a total incompetência e a absoluta  falsidade em todos os níveis de governo? É Chernobyl. Não é o Covide! E quando, num tribunal de Nova Iorque, o sistema jurídico quer prender o líder da oposição política? Foi na URSS isso?  

A pergunta chata, para não dizer, insuportável é, e se a China aprendeu as lições da Guerra Fria muito melhor do que os EUA? Parece que Xi Jinping compreendeu muito bem o que ele deve evitar, e que os soviéticos não compreenderam. O Xi também compreendeu, mais profundamente que talvez qualquer outro, que os americanos estão loucos para ser manobrados, para serem eles mesmos os seus próprios soviéticos. Uma excelente maneira da China revelar toda a loucura americana é “colocar em quarentena” uma ilha pegada na sua costa, e esperar os EUA enviarem  uma expedição naval para executar o bloqueio da ilha. Muitos americanos estão babando pelo gosto de iniciar a Terceira Guerra Mundial, dane-se, não é assim?

O pior da crise dos semicondutores de Taiwan é que, em comparação com a crise dos mísseis cubanos de 1962, os papéis estão invertidos. Biden ou Trump serão Khrushchev; XJP passa a ser Kennedy , rs. Veja, o Xi disse à Presidente da Comissão Europeia, a Ursula von der Leyen, que Washington está incitando Pequim a atacar Taiwan.

 Podemos dizer a nós próprios que as nossas patologias contemporâneas resultam de forças externas, que somos pobres vítimas de uma campanha de subversão, de várias décadas etc. Ora, a CIA fez o seu melhor para subverter o domínio soviético na Guerra Fria. 

 No entanto, os americanos de agora terão de enfrentar o fato, mais do que uma mera possibilidade, de que eles estão fazendo isso a si mesmos, – tal como os soviéticos fizeram suas asneiras consigo próprios. Era uma preocupação liberal comum durante a Guerra Fria que os americanos acabariam ficando tão implacáveis, secretos e irresponsáveis como os soviéticos, em função das exigências da corrida armamentista e nuclear. Alguém poderia suspeitar que os invencíveis e bravateiros americanos acabariam por se tornarem tão degenerados quanto os soviéticos?  

 Ainda é possível evitar perder a Segunda Guerra Fria, bastaria que todas as patologias econômicas, demográficas, sociais, culturais, comunistas, maoistas etc, etc, coladas no regime do PCC fossem reais, e o “sonho chinês” de Xi não passasse de um pesadelo. O  problema não é lá, é o pesadelo das mortes por desespero, aqui, na América. Parece que a América está sob uma hipnose coletiva, lenta,  patológica e inexorável.

 E Ferguson se pergunta, nós somos os soviéticos? Olha a sua volta.


 





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