AS TRAMÓIAS DA CIA

 DAVID GOLDMAN ASIANTIMES

Em 1927, o escritor francês Julian Benda publicou La Trahison des Clercs, ou "Traição dos Clérigos", detonando pessoas como o político, poeta e crítico Charles Maurras por sua virada para um nacionalismo reacionário e racista.

A contrapartida de hoje é a traição dos espiões, vejam, 50 ex-altos agentes de inteligência publicaram um manifesto denunciando as finanças da família do ainda presidente Joe Biden como uma "operação de informação russa".

"A chegada ao cenário político dos EUA de um conjunto de e-mails do filho de Joe Biden, Hunter Biden, relacionados a empresa ucraniana Burisma, foi chamado pelos democratas de uma operação desinformação russa...". 


Vamos analisar isso daí.

Vejam, este manifesto é talvez o documento mais espantoso da história política americana recente. O New York Post, tablóide direitista, publicou e-mails de Hunter, inclusive do sócio ucraniano agradecendo a Hunter por apresentá-lo ao então vice-presidente Biden (na época de Obama).

Hunter era diretor da empresa de energia ucraniana Burisma, de propriedade do oligarca ucraniano Mykola Zlochevsky por meio da Brociti Investments Limited. 

Mr Biden alegou não saber de nada, o que é normal do caso de Joe, e o New York Post o pegou em mais uma mentirinha sobre o tráfico de influência.

Enquanto isso, o ex-CEO de um dos empreendimentos de Hunter Biden, Tony Bobulinski, produziu e-mails e mensagens mostrando que o candidato presidencial democrata, o Joe Biden, estava intimamente envolvido com a joint venture de seu filho Hunter com uma empresa chinesa. Joe Biden nunca quis fala sobre o assunto.

Além do New York Post e do Wall Street Journal, toda a grande mídia americana boicotou o assunto. O jornalista Glenn Greenwald, do Intercept, em 2014, mais conhecido por revelar, de Edward Snowden, a espionagem ilegal de cidadãos americanos por agências de inteligência dos EUA. Glenn teve sua publicação sobre as tramóias de Biden suprimidas.

Greenwald reclamou, na Fox News, na sua publicação, no The Intercept, que ninguém deveria prestar atenção à conversa mole da "desinformação russa". Greenwald citou uma carta de ex-diretor da CIA, John Brennan, ex-diretor de inteligência nacional, James Clapper, do ex-diretor da CIA e da NSA, Mike Hayden e o resto dos capangas da CIA. A tal carta admite que a Rússia não tem nada com a tramóia dos Biden e Obamas. 

A Grã-Bretanha, sempre alinhadinha com Washington, por sua vez, diz que é desinformação russa, sempre que o governo considera a publicação de um artigo um "perigo para a segurança nacional" a "culpa é dos russos". A grande mídia americana, naturalmente, adora acusar a Rússia de tudo, o americano consome avidamente a briga midiática, vende, anunciante gosta,  faz a mesma coisa, a cabala de ex-oficiais de inteligência é tudo sócio, acionista da grande mídia.

Daí a cabala da CIA diz: “olha, nós não sabemos se os e-mails fornecidos ao New York Post pelo advogado de Trump, o Rudy Giuliani, são genuínos, nós não temos evidências do envolvimento russo — apenas que sempre desconfiamos do papel que o governo russo desempenha neste caso.”

Ex-oficiais de inteligência gostam de fazer a mídia ferver, é muito lucrativo, e ainda são especializados em ocultar os fatos reais da vista do público, por exemplo, documentos que provam alta corrupção por parte de Joe Biden, um candidato à presidência naquela época.

“Nos últimos quatro anos do governo Trump houve uma certa desconfiança em relação à CIA”, disse Greenwald. “A CIA, desde os primeiros dias do governo Trump, mesmo antes de ele ser empossado, se dedicou a sabotar totalmente seu governo, porque Trump andou questionando a agência.

E com a vitória de Trump, a CIA e os agentes do Deep State se tornaram os heróis dessa mistura de esquerda liberal e neoconservadorismo ianque..., por exemplo, a dupla, Bush-Cheney, a CIA, o Vale do Silício e Wall Street".

Por "agentes de Bush-Cheney", Greenwald se referia ao partido republicano, liderado pelo candidato de 2012, Mitt Romney. Os "neoconservadores", em questão, são os republicanos Bill Kristol, Max Boot e David Frum, entre outros. Vale do Silício significa aí a Big Tech (Google, Microsoft, Facebook, Twitter etc).

O Twitter, a plataforma de mídia social mais amplamente usada para notícias, impediu que os usuários compartilhassem o relatório do New York Post sobre os e-mails de Hunter Biden. Facebook idem.

 O New York Post não é um site vulgar qualquer à espreita nos cantos da dark web, tratar-se de um grande diário americano fundado, fundado lá em 1801 por Alexander Hamilton...

Em uma audiência do Senado, o senador Ted Cruz (R-Texas) exigiu do CEO do Twitter, Jack Dorsey: "Quem diabos o elegeu e o colocou no comando do que a mídia tem permissão para relatar ou não, e o que o povo americano tem permissão para ouvir ou não ouvir?"

Dorsey se desculpou, mas o dano já estava feito. Se a cabala fantasmagórica pode censurar a mídia social quando está fora do poder, na era Trump, imagine o que ela faz quando tem um boneco na presidência. A aliança do Vale do Silício e do Estado Profundo da qual Greenwald falou, pode impor controles nível george orwell no debate público.

O Estado Profundo usa poderes extralegais para encobrir suas conspirações. Houve duas regras da Comunidade de Inteligência dos EUA que Trump violou. A primeira tem a ver com as relações americanas com a Rússia, algo sempre muito obscuro, a outra são as guerras dos Estados Unidos no Oriente Médio e no Afeganistão.

A invasão do Iraque pelo governo Bush em 2003 fez a fortuna particular de centenas de oficiais da CIA. Uma geração inteira de espiões, diplomatas, agentes ganhou destaque por seus papéis no Iraque e no Afeganistão, bem como na subsequente guerra civil na Síria.

Blhões de dólares desapareceram nessas operações, nunca foram sujeitas a auditoria. O tenente-general Michael Flynn quis auditar a CIA, logo foi forçado a deixar o cargo por uma armadilha de perjúrio forjada pelo FBI, isso durante seu primeiro mês no cargo como Conselheiro de Segurança Nacional de Trump. 

O que liga a CIA à campanha de Joe Biden, no entanto, vai muito além da simples corrupção e cancelamento no twitter e no facebook.

Os neoconservadores do Partido Republicano e os globalistas liberais do Partido Democrata concordam que a América tem o direito e a obrigação de remodelar o mundo à sua própria imagem. A elite autoproclamada e autoperpetuante que se agrupa na CIA e tem seus tentáculos em Wall Street, na Big Tech, na academia, na grande mídia etc, acredita que tem a prerrogativa de tratar o mundo como um vasto experimento de laboratório, experimento com ratos, nós, os habitantes, somos cobaias, e eles são grandes cientistas sociais.

Um dos signatários da trama em torno da criação do ISIS, é o ex-chefe da CIA e da NSA, o general Michael Hayden. Em uma conversa de 2013, Hayden foi questionado. Por que a corrente principal republicana abraçou a Irmandade Muçulmana em vez do governo egípcio de Abdel Fattah al-Sisi, um militar bem treinado pelos americanos, e que defendia um islamismo reformado anti-terrorista? 

 Daí Hayden disse, “lamentamos que o líder da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi tenha sido derrubado”, “nós queríamos ver o que aconteceria quando a Irmandade Muçulmana tivesse que assumir a responsabilidade de recolher o lixo.” 

A CIA acreditava que a Irmandade Muçulmana, um partido totalitário, no molde nazista, seria transformado em uma democracia islâmica — ideia completamente maluca, mas amplamente mantida pela CIA.

Trump tentou puxar o tapete desses engenheiros de guerras sem fim e terror "democrático". Trump obteve mesmo alguns resultados, recusou-se a colocar botas americanas no chão, boots on the ground, encorajou os Estados Árabes do Golfo a normalizar os seus laços com Israel, um aliado em potencial contra o Irã. O Irã promove o islamismo xiita no mundo muçulmano - em vez da seita sunita dos monarcas do Golfo. E Trump tentou normalizar com a Turquia, um dos principais patrocinadores da Irmandade Muçulmana, e que espera substituir as monarquias do Golfo.

 Outra questão é a da Rússia. Desde o colapso da União Soviética em 1990, o establishment da política externa americana tem a obsessão de enfiar um regime democrático de estilo ocidental, progressista, wokista, na Rússia. O Ocidente apostou em Boris Yeltsin, um testa de ferro bêbado e irresponsável daqueles oligarcas que dividiram o saque do antigo estado soviético. E surge o ex-oficial da KGB, o homem providencial, Vladimir Putin estabilizou a Rússia ao modo dos melhores governantes russos, desde o século XVI.

Putin se tornou a baleia branca da Comunidade de Inteligência, e a mudança de regime na Rússia continua no topo da agenda da CIA.

Foi então que a Secretária de Estado de Obama, Victoria Nuland, foi pega em flagrante tentando encenar o golpe Maidan, de 2014, na Ucrânia. Nuland (casada com o fanático neoconservador Robert Kagan) esperava que a derrubada de um governo apoiado pela Rússia na Ucrânia levaria à derrubada do próprio Putin.

Trump não se importa com quem está no Kremlin, mas também jogar sujo contra a Rússia, por exemplo, usando sanções após a sabotagem do gasoduto Nord Stream II, ou seja,  os interesses americanos, neste caso, as vendas de gás natural liquefeito americano para a Europa são mais importantes do que se entender com a Rússia. Trump abraçou mesmo os poloneses, que veem a Rússia com receio, e reforçou suas defesas. Mas Trump não tem interesse em mudança de regime na Rússia, parece que ficou feliz em deixar a Rússia desempenhar o papel principal na estabilização da Síria, quando removeu as forças americanas de lá. Trump diz que fará a paz com a Rússia na Ucrânia, logo veremos isso daí, se ele conseguir se reeleger. 

As divergências entre a cabala fantasmagórica e Trump sobre a China são mais sutis. Trump não quer uma guerra com a China. Ele demitiu seu Conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, um cabeça quente que queria desafiar a China reforçando Taiwan, inclusive com o envio de tropas dos EUA, ao qual Trump se opõe. Trump também tentou baixar a temperatura com a Coreia do Norte por meio de diplomacia pessoal.

Ao contrário de Trump, a Big Tech não quer competir com a manufatura chinesa. Desde a quebra das ações de tecnologia em 2000, o Vale do Silício se concentrou em software e deixou a manufatura para a Ásia.

Trump concorreu ao cargo com a promessa de reduzir o déficit comercial dos Estados Unidos com a China por meio de tarifas. A pandemia de Covid-19 frustrou esse esforço, pois a demanda dos EUA por eletrônicos de consumo impulsionou as compras da China para níveis quase recordes. A guerra tecnológica contra a Huawei, empresa líder em equipamentos de telecomunicações da China, foi uma reflexão tardia.

 Como Edward Snowden revelou – graças à reportagem de Glen Greenwald e outros – a NSA varrem as transmissões de sinais do mundo durante as últimas quatro décadas.

O advento das telecomunicações 5G ameaça o domínio americano da inteligência de sinais porque torna possível a adoção universal da criptografia quântica à prova de hacker.

Trump perseguiu a guerra tecnológica com alguma relutância até março daquele ano, quando culpou a China por espalhar um vírus que fechou a economia dos EUA e ameaçou suas conquistas mais importantes no cargo. Anteriormente, ele resistiu a propostas para sufocar o fornecimento de chips de ponta para a Huawei e outras empresas chinesas.

Um governo Biden provavelmente ofereceria à China um relaxamento no controle sobre exportação de tecnologia em troca de acesso mais fácil ao mercado interno da China para empresas de tecnologia dos EUA. Nenhuma das políticas será de grande ajuda para os EUA, no entanto.

Se o embargo de chips continuar, a China aprenderá a produzir o que precisa internamente; se os EUA obtiverem concessões para empresas dos EUA, os fornecedores de software americanos venderão mais para a China, enquanto a posição competitiva dos EUA continuará a se deteriorar.

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