O CHIP DO FIM DO MUNDO

Semicondutores

Recentemente, a Intel demonstrou interesse em investir US$ 100 bilhões em quatro estados dos Estados Unidos para construir e expandir suas fábricas, com US$ 20 bilhões já garantidos em subsídios e empréstimos federais, no âmbito da chamada Chips Act, e à espera de mais US$ 25 bilhões em incentivos fiscais. 

O objetivo é transformar campos vazios perto de Columbus, no estado de Ohio, em um centro de fabricação de chips para uso em Inteligência Artificial (IA), com início previsto para 2027. O plano também inclui locais no Novo México, Oregon e Arizona. 

Os fundos do plano de Biden, o Chips Act, ajudarão a Intel a “corrigir” seu modelo de negócios, que foi afetado pela perda de liderança na produção de chips para a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co (TSMC) na década de 2010, o que resultou em lucros mais baixos para a Intel.

A Chips Act, em inglês é “Criando Incentivos Úteis para Produzir Semicondutores”, é uma lei aprovada no Congresso deles, assinada por Joe Biden em 2022, para aumentar a produção de semicondutores nos Estados Unidos. O documento destaca que o dinheiro não pode ser usado fora do território dos Estados Unidos.

Esta medida reflete uma resposta às cadeias globais de valor, as cadeias globais de valor são sistemas de produção envolvendo as diferentes etapas da produção distribuídas por diferentes países, com base em fatores como custo, especialização e eficiência. De acordo com o economista francês François Chesnais, em seu livro "A mundialização do capital", este modelo, de cadeias globais, ajudou as empresas a se expandirem,na usarem mão de obra mais barata e, naturalmente, gozar da ausência de regulações trabalhistas de outros países.

A lei do tio Sam, o Chips Act, indica um novo cenário, os EUA começaram a desindustrializar, à medida que as empresas transferiram a produção para locais com mão de obra mais barata, e também eram fornecidas a partir de buscavam cadeias de suprimentos globais, mais eficientes e econômicas.

A China conquistou um avanço importante na produção de semicondutores e na diminuição de sua dependência. Em 2009, a China já era a fábrica de semicondutores do mundo. Em 2017, o país tinha três empresas entre as dez maiores do mundo, a Jiangsu Changjiang Electronics Technology, Tianshui Huatian Microelectronics e aTongfu Microelectronics. Isso significa que eram empresas nacionais globalmente competitivas.

Este cenário se agravou para o Ocidente, devido aos efeitos do alto impacto da crise financeira global de 2008, a qual levou alguns países, como a China, a adotarem planos de redução de dependências, especificamente, no setor de alta tecnologia. A prioridade chinesa é a autossuficiência em alta tecnologia.

O cenário de disputa geopolítica dos semicondutores não acontece do nada. 

Uma série de fatores contribui para essa dinâmica, incluindo o crescimento da direita e da extremo-direita, que usam a perda de poder aquisitivo da classe média, o desemprego e a precarização das condições de trabalho do grupo social mais afetado como mecanismo narrativo de manipulação política.

Os Estados Unidos enfrentam um processo regressivo em sua produção, isso acelera a concentração de renda e riqueza e também acelera o endividamento das classes médias e trabalhadora. Os setores de Finanças, Tecnologia e Eletrônica são os responsáveis por grande parte dos rendimentos do país, hoje, uma vasta população de trabalhadores sem qualificação vivem numa condição de pouco acesso tecnológico. O outrora chamado “Cinturão da Manufatura” é agora o “Cinturão da Ferrugem”. O coração industrial da América se tornou uma área de industrialização antiga, até mesmo obsoleta. Eric Hobsbawm no seu livro indispensável, A Era dos Extremos, relatou a decadência dessa região, isso já em meados do século XX, quando as fábricas se deslocaram para o oeste do país, sem falar no crescimento da automação. Geograficamente, a região abrangia os estados do nordeste, do leste do estado de Nova York, o norte de Indiana, o leste de Illinois e Wisconsin, passando por Pensilvânia, Ohio e Michigan. Pensilvânia, Ohio e Michigan, aliás, foram decisivos no resultado da eleição presidencial de 2016, 1ª do Trump.

A economia norte-americana vive neste momento uma estrutura econômica muito  desigual, em face do avanço comercial e tecnológico chinês. A China deslocou para si uma boa parte dos empregos industriais de média complexidade dos Estados Unidos, isso também piorou a qualidade do emprego nos EUA, fazendo crescer um mercado pouco qualificado. A eliminação de postos de trabalho foi maior nos setores de tecnologia da informação, nas vendas no atacado, no varejo, na agricultura e na manufatura, em geral. Fruto do processo de automação que ocorre há mais de dois séculos, a robotização também gera um crescimento mais lento do emprego.

O chip act revela uma certa tendência do governo culpar a China devido às mudancas estruturais e institucionais da própria dinâmica do capitalismo, daí o seu objetivo de "conter a China".

A ênfase do neoliberalismo contra as políticas assistenciais trouxeram uma série de disputas nos EUA, sobretudo houve um forte aumento da polarização política. 

Bom, voltando aos chips, a maioria dos chips semicondutores de última geração é fabricada, atualmente, em Taiwan. Apenas cerca de 10% são produzidos nos Estados Unidos, e sequer são os mais avançados. Mesmo os superchips projetados nos EUA por empresas como a Nvidia são fabricados fora dos EUA.

O governo sabe de sua dependência de Taiwan e fica ameaçando, acusando, fustigando a China. Um ataque militar dos EUA a Taiwan poderia ser um desastre, tanto político quanto econômico. 

Enquanto isso, alguns países, como a Alemanha, procuram atrair fabricantes de chips para reduzir a dependência de Taiwan e do Sudeste Asiático. A gigante taiwanesa, top no setor, a TSMC, está construindo uma fábrica em Dresden, o que não diminui a dependência, apenas facilita o transporte. 

Os Estados Unidos buscam, por sua vez, construir fábricas de chips avançados em seu próprio território, sem depender de empresas estrangeiras. A administração Biden vê isso como uma forma de criar empregos domésticos e superar as vulnerabilidades da segurança nacional.

A China está alcançando a ASML (Advanced Semiconductor Materials Lithograph), multinacional holandesa, maior fornecedora de sistemas de litografia para a confecção de semicondutores. Fazer um semicondutor, o que a gente chama de chip de computador, é um processo complexo que envolve o desenho e a construção de pequenos chips, tecnicamente chamados de circuitos integrados, é o alimento dos nossos celulares, computadores, supercomputadores etc. No centro da construção dos chips está a máquina de “lithografia ultravioleta extrema”, ou EUV, usada para desenhar padrões em fios de silicone.

A ASML é um dos jogadores dominantes na área, oferece máquinas de EUV para os melhores fabricantes de chips do mundo. Essa tecnologia é uma maravilha porque permite aos fabricantes de chips produzirem chips menores, mais rápidos e mais poderosos, o que leva à inovação em campos como a Inteligência Artificial, o 5G e a Internet das Coisas.
Sem a ASML muitos dos avanços que vemos na indústria tecnológica nas últimas décadas não seriam possíveis. A tecnologia do ASML criou uma demanda global para os novos chips, isso deu ao ASML poder e influência na indústria de alta tecnologia.
Daí que países, como maior exemplo, a China, logo perceberam que precisariam desenvolver sua própria tecnologia de EUV para reduzir sua dependência da ASML. A China tentou, muito, desenvolver sua própria tecnologia de EUV por mais de uma década, e bem, ela começou a lograr alguns pontos.
Vejam, é uma tecnologia incrivelmente complexa, requer grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento, parcerias com universidades e instituições de pesquisa, cientistas tops e por aí vai. Apesar destes desafios, a China simplesmente continuou a investir, dirigida por um senso de soberania e nacionalismo, e um desejo irresistível de se tornar o líder nesta indústria tecnológica. Mas nacionalismo não basta, a indústria de semicondutores é projetada para custar mais de um trilhão de dólares no final desta década, e a China quer um pedaço dessa torta. Então veja o contexto, a hegemonia da ASML no mercado global de EUV, a frente dos fabricantes de chips chineses, e a China pretendeu competir neste setor, da mais alta tecnologia. E daí então trabalhou duramente, investindo pesadamente em pesquisa e desenvolvimento, estabelecendo parcerias com as melhores universidades, as instituições de pesquisa etc. O governo chinês ofereceu um suporte significativo à indústria, como subvenções, isenções fiscais, facilidades tributárias etc, para as empresas que investem em desenvolvimento de chips. Apesar destes esforços, a maioria dos analistas disse que a China não conseguiria igualar a ASML. Só que a China já chegou a um ponto em que faz progressos cada vez mais rápidos na zona do agrião. Em 2020, a maior fabricante de chips da China, a SMIC, a maior fabricante de chips da China, sediada em Shangay, anunciou que tinha acabado de desenvolver sua própria tecnologia de EUV. Desde então, a China vem tentando melhorar sua tecnologia, e podemos dizer que chegou a um ponto onde já pode competir com o ASML.
Nós podemos tirar uma lição disso daqui, um dos fatores chaves que dirigem o progresso da China são os grandes investimentos do país em pesquisa e desenvolvimento, PD. A China é a segunda maior investidora de P&D (em inglês, Research and Development) no mundo, uma grande do investimento vai para o desenvolvimento dos chips. As empresas chinesas tem atraído talentos de todo o mundo, incluindo até mesmo engenheiros experientes do próprio ASML. A China também investe no desenvolvimento de chips fora da China, literalmente, em todo o mundo, empresas chinesas colaboram com grandes fabricantes de chips nos EUA, Japão e Coreia, o que lhes deu acesso às mais avançadas tecnologias e aos grandes engenheiros do setor. Essas parcerias também ajudaram a construir relações de confiança entre empresas chinesas e parceiros estrangeiros. Se há algo que a China é capaz de fazer é trabalho duro, estudo sistemático e a capacidade de trabalhar em colaboração. Mas um ponto relevante aqui é a capacidade de assumir riscos e investir em tecnologias avançadas.
A China está no centro das tecnologias avançadas, como a IA, o 5G e a Internet das Coisas, isso lhe trouxe uma vantagem única no setor de desenvolvimento de chips. Não se pode desprezar também o seu mercado doméstico, com mais de um bilhão de pessoas, a demanda por chips dá uma vantagem significativa, as empresas chinesas testam e refinam sua tecnologia em seu próprio mercado antes de exportá-las para o resto do mundo. O governo chinês faz algo que o governo brasileiro ainda não entendeu, o governo chinês dá muito suporte à indústria, oferecendo subvenções, isenções de imposto etc. Mas o mais impressionante é a velocidade com a qual a coisa avança. Em apenas alguns anos, um país que não sabia jogar, era praticamente um perna de pau, passou a jogar no nível de um Fenômeno, de um Gaúcho e por aí vai. A tecnologia da SMIC de Shangay já incomoda a campeã, a ASML, na prática, os fabricantes de chips chineses já produzem chips tão bons quanto os da ASML.
Se vc é capaz de produzir suas próprias máquinas de EUV, vc não depende mais da ASML e de outras empresas estrangeiras, se vc pode inovar e competir com os melhores vc vai se sentar na mesa dos grandes jogadores e eles não poderão jogar sem vc à mesa, entende? Quando vc é top, os outros tops sabem que tem alguma coisa a prender com vc, este é o ponto, quando vc é imprescindível, vc passa a ser não só necessário como vc passa a mostrar para onde vai o jogo. Bom vamos ver.

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