A SÍRIA NÃO FOI UMA VITÓRIA DO OCIDENTE, MAIS PROVAVELMENTE SERÁ UMA DERROTA
A Rússia foi prudente na Síria, os EUA não foram. Israel foi com muita sede à Terra Prometida, o que lhe trará um pesado julgamento de seu próprio Deus
Bom, então vamos aqui analisar a vitória da Al-Qaeda na Síria sob um outro viés, um que aponte para as consequências de um acúmulo de ações insensatas e puramente calcadas no lucro e na sede de poder.
Primeiro ponto, ainda que a Rússia tivesse tido tempo para pensar, seria prudente não se envolver numa situação complicada, uma situação na qual a ação apenas aumentaria a confusão, sim o OM é uma confusão.
Em segundo lugar, a Rússia precisaria deslocar forças militares para a região, o que, provavelmente afetaria a guerra na Ucrânia.
Então provavelmente foi uma decisão cautelosa, ou melhor, foi o que se tinha à mão naquele momento, defenderam algumas posições, e depois tiraram o time pois seria uma guerra de atrito prolongada, incluindo aí, Turquia, Israel e EUA. Em algum momento isso se tornaria uma guerra mundial.
A Rússia sabia que não havia mais como proteger o governo Assad, o qual já estava minado nas redes sociais dos EUA, já estava detonado pelas ONGs, no longo prazo seria muito difícil defender Assad, então optaram por tirar o Assad dali.
A situação da Síria e seu entorno está entre as situações geopolíticas mais complicadas do mundo.
Numa análise rápida, melhor dizer, apressada, inexata, os grandes perdedores são a Rússia e o Irã, e, claro, a Síria, e os grandes ganhadores são Israel e os Estados Unidos. Isso só é válido numa visão curto prazo, ou melhor, de muito curto prazo.
Qualquer um que estude o Médio Oriente por algum tempo, percebe que nenhuma situação permanece igual no OM por muito tempo. É normal que as pessoas tenham sentimentos de triunfalismo, de vitória, de glória, mas aqui é de curta duração, porque há muitas armadilhas escondidas sob essa situação, e em geral, os que visam a glórias momentâneas não estão conscientes disso.
A primeira armadilha é que os Estados Unidos não têm um bom histórico de abraçar ou jogar em ambos os lados de um jogo quando lida com os movimentos jihadistas.
Às vezes trabalhou com eles, às vezes lutou contra eles, mas, em geral, esses movimentos nunca foram sob o controle estadunidense, e, no final, às vezes se tornaram contra os EUA. Então, primeira pergunta, estarão garantidos os melhores os interesses estadunidenses com a vitória da Al-Qaeda na Síria?
Outra pergunta, estão garantidos os melhores interesses israelenses com um regime jihadista, que tem vínculos estreitos com Al-Qaeda no passado recente?
É uma pergunta simples, e pode haver prós e contras na resposta.
Este grupo salafista e jihadista parece se comportar bem com Israel, até parece querer chegar a um acordo com eles.
Por que essas pessoas são preferíveis a um moderado como Assad? Que era, para todos os efeitos, um tipo de regime secular e tolerante para com todas as minorias?
É um fato que as minorias religiosas na Síria tinham muito mais confiança vivendo sob a família Assad, e que estão em desabalada fuga agora que que um regime jihadista chegou ao poder. A situação é muito difícil para cristãos, para judeus, para todo tipo de grupos. O novo regime jihadista em Damasco tem que ser muito cuidadoso neste momento, será que ele vai ser laico e tolerante?
Se o grupo HTS for esperto ele não vai querer provocar uma reação negativa de Washington e Israel, cuja mídia vem cantando uma vitória do Ocidente, uma derrota da Rússia, uma perda do Irã, etc, ninguém ainda sabe o que significa essa “vitoria do Ocidente” para o povo sírio que é o que importa.
A experiência permite afirmar que um grupo radical, jihadista, vai decidir se dar bem com Israel e Estados Unidos pois isso é parte de uma agenda de adaptação, islamista, mas é contingente, isso não se mantém no mundo real.
Tome a Arábia Saudita, para todos os efeitos ela é muito islâmica, certo? Quero dizer, a versão wahadista, ou salafista, sunita, do islam, é extrema em termos de que exige a adesão à sua crença à fé musulmana, certo? Bom, é muito provável que isso daí vai emergir na Síria. Agora, imagine que vc fosse um cristão ou uma minoria religiosa, uma minoria não-musulmana vivendo na Síria, vc preferiria viver sob o controle de Assad ou sob o controle salafista da Arábia Saudita, que é muito forte, tem controles sociais definidos em relação à roupa das mulheres, em relação a códigos morais etc?
A Arábia Saudita mesmo tem sentimentos extremamente desencontrados sobre esse sucesso dos jihadistas.em Damasco.
Os sauditas, entre outros, eles realmente não gostam de nenhum tipo de movimentos de massa, sobretudo não gostam de movimentos revolucionários, e este é, exatamente, o caso. A Al-Qaeda e outros movimentos similares não são amigáveis com a Arábia Saudita, Jordânia ou de qualquer outro estado que percebam muito afinados com os EUA. É de se duvidar que os sauditas estejam confortáveis com este movimento do HTS.
No fundo nós não sabemos, nós ainda não vimos as verdadeiros cores do regime. Dado o seu fundo de proximidade com a Al-Qaeda e o temor geral dos movimentos islamitas, é muito pouco provável que sejam simpáticos no médio prazo com Israel, com os EUA e mesmo com a Arábia Saudita, a menos que seja por um motivo de interesse imediato.
Então, o que estamos vendo é apenas o começo de mais instabilidade na Síria. O que é, na verdade, algo do interesse de Israel, e provavelmente também dos EUA, desde que seus campos petroleros no noroeste estejam assegurados, o que parece que ainda estão.
A pergunta básica, no entanto, é sobre a Rússia. A decisão russa de não intervir mais, e deixar Assad sair, a inteligência russa foi surpreendida pela rapidez do avanço jihadista?
Veja, os Estados Unidos, uma superpotência não pôde se manter Afeganistão, teve que se retirar ante um movimento de liberação islamista. A Rússia tem recursos finitos, para a Rússia é muito mais importante continuar consolidando o que vem ganhando na Ucrânia, em vez de desviar recursos. Isso foi um cálculo estratégico na Moscou? Com certeza, sim.
A Rússia tem algumas cartas para jogar, e provavelmente sentirão que poderão tratar com quem chegar ao poder na Damasco.
Certo. Pergunta.
Agora temos uma situação que poderá ser, no curto prazo, problemática para os Estados Unidos e sua aliança com a OTAN.
Lembremos que os EUA apoiam os curdos, que são um problema para os turcos, isso na parte noroeste da Síria, onde tv exploram, melhor dizer, os EUA roubam o petróleo sem dar satisfação a ninguém, talvez a uns gatos curdos pingados.
Deve haver ali no noroeste um acordo tácito, uma parte da Síria é controlada por grupos aproximados à Turquia, que, como foi dito, são, em geral, hostis aos curdos. Erdogan na Turquia, ele lança esses grupos turcos na Síria contra os curdos. Isso significa que dois membros da OTAN, na Síria, têm interesses opostos, uma vez que os EUA apoiam os curdos, bom, eu não acredito que o Erdogan é louco de provocar os EUA por causa dos curdos.
O objetivo número um da Turquia, sua principal preocupação geopolítica na Síria, é mesmo a situação curda.
Por isso pode-se prever uma ruptura entre a Turquia e o novo regime no Damasco, uma vez que a Turquia parece decidida a sufocar o movimento curdo e a formação de estado curdo. Hoje, estão aos beijinhos, mas no longo prazo, a presença militar turca vai incomodar o HTS, isso se não incomodar os anericanos.
E também existem precedentes históricos, há uma relação de amor-ódio entre os turcos e os sírios. A Sírianjá foi parte do Império Otomano, por muito tempo, e foi uma parte muito significativa do império.
Existem comidas bastante populares na Turquia associados com a Síria.
O kebab haleb é um prato de Aleppo, o kebab de Damasco também é muito popular, só que um é árabe, o outro é turco! Os estiveram sob o domínio turco por muito tempo, então há sentimentos desencontrados por ali.
Há outros atores agora, os israelenses, usado pelo movimento sionista como um malho sobre os seus vizinhos, Israel já está se apossando de partes das colinas de Golã, desprezando completamente as resoluções da ONU.
A mídia tem dito agora sobre o sucesso triunfante de Israel contra o Hezbollah, uma vez que eliminou uma parte importante de sua liderança. Isso gerou ou fez crescer ainda mais o sentimento triunfalista dentro de Israel, aquele sendo de superioridade quase patológico que nutrem com relação aos outros povos, sobretudo com relação aos árabes e aos cristãos. Aparecem várias figuras da extrema-direita, Ben-Gvir, Smotrich e outros, falando da “Eretz Israel”, da “Grande Israel”, que deve incluir o Líbano, a Jordânia, partes da Síria etc, e é uma coisa talmudica-patologica, esses caras são criados nesta mentalidade extravagante, megalomaníaca.
As ambições de Israel significam problemas para todo o entorno de Israel no OM.
Agora também temos a situação de que dois membros dos BRICS, o Irã e Rússia, foram debilitados na região, especialmente o Irã, cuja comunidade é maior do que a russa.
E temos um aspirante aos BRICS, a Turquia, que é uma faca de dois gumes.
Os BRICS ainda estão numa etapa inicial, de alicerçar sua união, existem dificuldades, por exemplo, Arábia Saudita e Irã, Etiópia e Egito, China e Índia, são grandes desafios.
A Turquia ainda não é um sócio pleno, e Erdogan é um líder liso como um bagre ensaboado. Erdogan é um líder destacado da Turquia, ninguém o nega, mas em termos geopolíticos ele tende a ser um problema para a Turquia. Senão vamos ver, a Turquia se vê a si mesma como uma potência mediterrânea, uma potência do Oriente Médio, uma potência balcânica, uma potência caucásica, uma potência da Ásia Central. Agora estão incursionando pela África, os caras não param, são conquistadores, e é uma potência musulmana.
É difícil que a Rússia esteja feliz com o apoio da Turquia ao movimento jihadista, uma vez que isto debilitou a posição da Rússia na região.
O Erdogan deve ter algum acordo com a Rússia.
Como é que a Turquia pretende ser tudo para todo mundo? Forma parte dos BRICS, é da OTAN, apoia jihadista na Síria, sem dizer o que faz no Cáucaso, na África etc. e as vantagens de tratar com a Rússia ou as vantagens de jogar na Síria? Minha suposição é que a Rússia seja o jogador mais importante.
Os BRICS vão se expandir, inevitavelmente, mas haverá grupos e países dentro dos BRICS que estarão em desacordo entre si, em um sentido ou outro. O grande desafio para os BRICS será reunir países que tiveram relações hostis mas conseguem algum tipo de conversa ou negociação. Já vimos isso com a China, com seu notável trabalho ao reunir a Arábia Saudita e o Irã.
A China deve tentar influir neste processo agora entre a Turquia, o Irã e a Rússia. Logo veremos. Talvez a China se mantenha atenta a este jogo complicado do Ocidente.
No curto prazo, a China provavelmente optará por se manter a margem, mas, à medida que os jogadores mostrem melhor suas caras, a China vai se posicionar e daí, talvez seja o momento dos BRICS criarem uma agenda militar. Logo veremos.
Comentários
Postar um comentário