COMO A DIREITA POLITICA FOI GESTADA NAS REDES SOCIAIS

 O que mais caracterizou, do ponto de vista político, geopolítico e cultural as décadas iniciais do século XXI? Um vídeo do João Cesar de Castro Rocha chamou a minha atenção, já toquei neste assunto antes, de como as redes sociais geraram divisões internas nos países, meus comentários, então, geraram várias reações de indignação da dita neodireita, antissistêmica, privatista, o mercado é Deus, os EUA é a salvação do ocidente, Israel é lindo e outras sandices midiáticas. Quer dizer, é antissistema desde que não seja o seu sistema de enriquecer no mercado financeiro, no bitcoin, na venda de molequices coachinces no youtube etc, etc.

O avanço transnacional da extremo-direita.

Esse avanço é real, ele ocorre e é preciso reconhecê-lo com honestidade intelectual . Esse avanço ocorre por meio de eleições livres e democráticas.

Existe um esforço de engenharia social e institucional para corroer a democracia, desde dentro.

Tomemos a leva de políticos de direita e mesmo dedireita recém-eleitos como Orbán, Trump, Bukele, Millet, Bolsonaro etc. Veja, eles efetivamente venceram, conquistaram corações e mentes, especialmente entre as gerações mais jovens, não só isso, em vários desses personagens não há nenhuma dissimulação dos seus propósitos políticos.

Nós não podemos dizer de Millet, Trump, Bukele, Orbán, do Bolsonaro, do Duda, do Modi. Nós não podemos dizer que eles anunciaram uma plataforma e, ao chegar ao poder, adotaram uma plataforma oposta. Em geral, anunciaram exatamente o que tentaram levar adiante.

Vamos entrar nesse tema, do porquê dessas pessoas obterem exito, ainda que momentâneo.

De 2016 a 2024 a política se tornou mais radical, praticamente no mundo todo. Nós mal nos damos conta disso porque estamos no meio do redemoinho tentando manter as coisas funcionando.

Não tem como analisar isso daí sem usar o jargão esquerda e direita. Veja, se algo caracterizou a esquerda tradicional, o campo da esquerda, veio do passado, de um grande passado, mas que se tornou fora do zeitgeist, do espírito da nossa época, ou seja, a esquerda vive de suas imensas conquistas do passado, num presente que lhe é adverso e um futuro utópico, para não dizer, impossível

Ou seja, a esquerda, em muitos países, em muitos lugares, tem um passado de lutas e conquistas sociais e públicas formidável, um presente estável mas meio incômodo e uma grande incerteza em relação ao futuro.

O que teria acontecido?

Vamos lá, lá por 2016, estava rolando o Brexit, ou seja, a saída da Inglaterra da EU, eleição do Donald Trump, na Índia, a eleição do Modi, a eleição do Bolsonaro no Brasil, em todos estes fenômenos políticos a chamada Big Data teve um enorme peso e importância. Coletar uma quantidade sobre-humana de dados submetidos a supercomputadores, capazes de processar dados, estabelecer perfis, prever e captar as tendências.

Não foi por acaso que Mark Zuckerberg teve de pedir desculpas públicas ao Senado americano, pois o Facebook vendeu os nossos dados todos para uma firma de consultoria política, criada por Steve Bannon, a Cambridge Analytica. Descobriu-se, posteriormente, que o principal cliente da Cambridge Analytica, uma empresa cibernética capaz de gerar modelos de métrica social para influenciar eleições, inicialmente na África e na Ásia, como um laboratório, para depois trazer para a Europa, Estados Unidos e América Latina, descobrimos, posteriormente, que o principal cliente da Cambridge Analytica havia sido.... Donald Trump.

Essa modificação radical do panorama político não foi absolutamente algo espontâneo, foi uma forma de engenharia psicológica induzida, havia uma técnica nova, foi só depois que os partidos e políticos tradicionais levaram várias sovas, perderam várias eleições decisivas, que entenderam que eram reféns da técnica do micro direcionamento digital. Ou seja, em lugar de uma política para estabelecer políticas públicas, gastos públicos, melhorias sociais, saúde, educação, cidadania etc, políticas associadas, a grosso modo, à esquerda, cujo último exemplo forte no Brasil foi a campanha de 2014 de Dilma Rousseff, conhecida como Pátria Educadora, usada como um slogan para um projeto de nação e daí, um imenso e difuso micro direcionamento digital rompeu com essa ideia e um número grande de pessoas coparticipam ativamente de, vamos dizer, um conjunto de pequenas campanhas para um sem número de perfis determinados, ou seja, as pessoas simplesmente confirmaram aquilo mesmo que a Cambridge Analytica já havia prevista. As pessoas podem ser enormemente dirigidas e nunca admitirão que foram totalmente manipuladas, uma vez que elas mesmas se sentem como influenciadores, até mesmo manipuladoras.

Houve um processo na Inglaterra, tudo veio à tona, a Cambridge Analytica foi fechada, sabe-se que o efeito sobre as eleições foi determinante, apesar que é difícil mensurar, a influência foi de 5, 10, 20, 50%? Ninguém sabe exatamente.

Portanto, do ponto de vista eleitoral, não houve culpados. Isso aconteceu muito fortemente no Brasil.

O ministro Alexandre de Moraes, presidente então do TSE, Tribunal Superior Eleitoral, considerou uma reportagem feita pela Patrícia Campos Mello, a reportagem revelou o envio maciço de mensagens por WhatsApp, sem nenhuma prestação de contas, ou seja, era propaganda de campanha não contabilizados no pleito eleitoral, quer dizer, caixa 2, o que, segundo as regras eleitorais, leva à cassação de uma chapa. Pois bem, 3 anos depois, em 2021, o TSE finalmente estabelece que, conforme as leis eleitorais brasileiras, um crime havia sido cometido, mas que não era possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre o envio maciço dos zaps e a eleição de bolsonaro. É muito difícil estabelecer a relação entre o crime de enviar milhares, milhões de slogans, mensagens, propaganda, palavras de ordem, memes, gozações, ridicularizações dos adversários políticos, mentiras, difamações etc, etc, e tudo sem nenhuma restrição, sem nenhuma prestação de contas, sem nenhum controle etc. Daí vc entende porque a neodireita fica furiosa quando se fala em controlar as redes sociais. Bom, o ridicularizações, mentiras, difamações etc.crime está dado, foi normatizado, cominado, mas o efeito do crime podia ser punido?

Seria razoável considerar crime a replicação de propaganda eleitoral maciça em 2016, para beneficiar um candidato político e ao mesmo tempo destruir a reputação do adversário? Seria razoável pensar assim em 2016? Em 2016 tivemos Trump, em 2018, o Bolsonaro. Sim, havia um sistema, em parte, bolado pelo Steve Bannon e outros ideólogos, por exemplo, Olavo de Carvalho, no Brasil, mas, este sistema naõ foi suficiente para reelege-los, pelo menos não na sequência. Trump foi reeleito agora, mas tudo indica que será do agrado de boa parte do deep state que antes o condenava.

Em 2024, parece ter havido uma mudança qualitativa, vamos entender e fazer uma analogia, vejam, Ricardo III é uma peça teatral de William Shakespeare, que trata do final da Guerra das Duas Rosas, a famosa e famigerada guerra dos 30 anos, intermitentes, 30 anos matando uns aos outros, entre a família York e a família Lancaster, em português, em inglês é Lancastre. A família York acaba vencendo, os três irmãos, Eduardo, George e o Ricardo. George é o duque de Clarence. Ricardo é o duque de York. E o Eduardo se torna o rei Ricardo III. Há um pequeno problema. O Ricardo III tem um braço maior do que o outro, ele é coxo, é corcunda e suas feições, bom, são desagradáveis, para a maioria das pessoas, ou seja, ele é muito feio. Quando começa a peça, ele, o Ricardo III entra no palco, andando com dificuldade, arrastando um braço. Ele entra e diz que o inverno foi transformado em verão pelo sol, graças ao filho de York, que também é o sol, porque agora ele é o rei, todos vão transitar em torno dele, como seus satélites. E declara as festas, as armas serão substituídas pelas taças para brindar. Mas, ele que nasceu de forma prematura e defeituosa não poderia se das festas e seduções da corte. O que fazer? Ele responde, como é que ele vai seduzir as pessoas com uma aparência medonha? Então ele diz, I am determined to prove me as a villain. Estou decidido a mostrar-me um vilão. Na peça, vejam, o vilão era o Iago, daí o Ricardo III entra no palco e diz, olha, eu vou ser o pior dos vilões, porque vale tudo quando se trata do poder. Neste caso, ele não vai poder lançar mão das armas de sedução, então Ricardo III diz,

I am determined to prove a villain…, plots have I laid in doctrines dangerous by drunken prophecies libels and dreams to set my brother Clarence and you in deadly hate, the one against the other.

Plots have I laid. Eu armei tramas. In doctrines dangerous. Eu armei tramas em projetos perigosos. By drunken prophecies, ou seja, por meio de profecias bêbadas. Libels and dreams, oui seja, acusações e ilusões. Tratava-se de colocar seus próprio irmãos, seus dois outros irmãos em deadly hate, em ódio mortal um contra o outro. Ricardo Terceiro diz que vai lançar, deliberadamente, fake news e teorias conspiratórias para dividir seus concorrentes. Com que objetivo Ricardo vai propagar um ódio mortal no ambiente de sua corte, criar uma retórica de ódio, de instabilidade e demoninazação de um pelo outro? Ora, uma vez que você consiga jogar um polo contra o outro, não existe mais política, a política é impossível onde só há guerra e vontade de destruir completamente o outro. Esse é todo o modus operandi que vigorou e vigora no Brasil, a hiper politização do cotidiano, o outro é o mal encarnado, ele só pretende explorar os pobres, tirar da classe média, fingir que é contra os ricos, mentir, roubar matar etc, etc. É algo absolutamente caricato, vc transforma o outro no próprio satanás, é fácil, após séculos de propagar a existência do céu e do inferno, vc diz que o outro vai te levar para o inferno e vc vai leva-los para o céu? Ora, no meu entendimento, quem age assim é que é o próprio satã, ele se vende como o salvador, não é mesmo? Rs.

Na peça, Ricardo Terceiro toma o poder diretamente. Contudo, os dois filhos de Eduardo continuam vivos. Tem uma cena assim, para chegar ao trono, Ricardo precisou do apoio do poderoso lorde de Buckingham, então ele dá a mão para o Lorde de Buckingham, pede para ele apoiá-lo no poder. Na verdade, quem o colocou no trono então foi Lord Buckingham, E daí, Ricardo, pergunta para Buckingham, ei, quanto tempo eu tenho aqui neste trono? Em sua cabeça demente ele já está pensando em remover do planeta terra os seus dois lindos sobrinhos, para que não haja nenhum legítimo herdeiro enchendo seu saco dolorido. Então ele pergunta a Buckingham, quanto tempo eu tenho? O Buckingham responde assim, “ora, pelo tempo que vc tiver essa bela coroa na cabeça”. Era tudo o que o Ricardo Terceiro queria ouvir. Então ele diz, “acontece que meus sobrinhos estão vivos”.

E sobrou para o Lord Buckingham diz, Ricardo quer convencer o Lorde de Buckingham a eliminar os sobrinhos. É interessante como na peça, a ficção imita a vida, ou a vida imita a ficção, a ascensão de Ricardo II foi meteórica, e agora que ele chegou lá, ele não consegue governar nada, tudo o que ele consegue é ser paranoico, ele acha que vai se dar como seus dois irmãos, ele acha que seu melhor amigo vai derrubá-lo, seus sobrinhos vão acabar com ele, ele simplesmente não consegue governar. E o que acontece quando vc não consegue governar? Vc começa a perder o próprio o poder que tanto trabalho te deu para conseguir. Tome um exemplo aqui em Javier Millei, o Millei fez uma campanha absolutamente tosca, algo impressionantemente brega, tosco, rudimentar, elementar, de um baixo nível degradante, só que, detalhe, a produção de toda essa essência muito tosca é caríssima, sofisticada, muito elaborada. Não é, absolutamente, algo espontâneo. Não. É algo pensado para atingir um fim, daí o Millei sai às ruas com uma motosserra, para serrar o Ministério da Educação, Uma motosserra! E depois que ele consegue o poder? Ele começa a destruir a educação publica, a saúde, a cultura etc, etc. Agora ele quer acabar com a Universidade de Buenos Aires, que é uma das grandes maiores e mais importantes universidades da América do Sul, uma das glórias culturais da América Latina. Uma das mais importantes reformas do ensino em toda a América Latina aconteceu na Argentina na década de 20. Acontece que na mente milleizista, política pública é comunismo, é bolshevismo, é marxismo etc. Então, é o velho argumento de Sartre, “o demônio são os outros”, e não importa todo o bem que vc possa ter feito, a Aregentina já foi o país mais próspero do mundo, mas nada disso importa, a Universidade é o mal encarnado, vcs entendem?

A pergunta é, esses caras que entraram com os dois pés e os dois punhos no poder, Trump, Bolsonaro, Millei, eles vão mudar tudo? Não, não vão mudar nada, eles vão se constituir como “novas” oligarquias políticas.




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