O Desmantelamento do Império Americano e a Crise do Multilateralismo

Thierry Meyssan, figura notória no cenário da análise geopolítica contemporânea, conhecido por suas investigações incisivas sobre a extrema-direita e por desafiar narrativas estabelecidas – como em seu polêmico livro sobre os atentados de 11 de Setembro – oferece uma perspectiva contundente sobre as transformações em curso na ordem global. Sua visão, aqui explorada, lança luz sobre a ascensão do Trumpismo como um catalisador de mudanças profundas, impactando os Estados Unidos, suas alianças internacionais e a própria dinâmica política interna de seus parceiros.

À primeira vista, a crítica aberta de líderes europeus às decisões de política doméstica do Presidente dos Estados Unidos pode soar como uma transgressão ao princípio da não ingerência em assuntos internos. Contudo, Meyssan argumenta que, embora não diretamente afetados pelas reformas americanas, esses líderes se veem confrontados com as reverberações indiretas dessas mudanças em seus próprios territórios. E, segundo o analista, esses efeitos estão apenas começando a se manifestar, prenunciando uma reconfiguração significativa do cenário global.

Um ponto central da análise de Meyssan reside na crise funcional que assola instituições pilares da ordem liberal internacional, como o G7 e a OTAN. O G7, tradicionalmente o fórum de coordenação política do chamado “Ocidente”, demonstra sinais claros de esgotamento. A recusa do Presidente Trump em endossar o comunicado final na reunião virtual de chefes de Estado e governo em fevereiro de 2025, acompanhada da ameaça de abandonar o grupo, escancara a fragilidade dessa coordenação. A ausência dos Estados Unidos em reuniões subsequentes do G7, como a sessão virtual de conselheiros de segurança com a participação da Ucrânia, ilustra o colapso da coesão política ocidental.

Como consequência direta, a coordenação militar, alicerçada na OTAN, também se encontra em xeque. A iniciativa de França e Reino Unido de promover encontros bilaterais para assegurar a segurança europeia sob a égide de seus arsenais nucleares, embora compreensível, é vista por Meyssan como uma resposta estruturalmente limitada. A raiz do problema, segundo ele, reside em uma mudança de paradigma mais profunda do que uma simples realocação de forças americanas.

A interpretação de alguns aliados de que a movimentação americana se limita a um deslocamento de tropas para o Extremo Oriente não captura a essência da transformação em curso. Para Thierry Meyssan, a intenção do Presidente Trump aponta para o desmantelamento do “Império Americano”. Essa decisão seria motivada tanto por convicções ideológicas, ressoando com o isolacionismo jacksoniano, quanto por uma necessidade econômica premente, dada a colossal dívida pública americana. Nesse contexto, o aumento dos gastos militares pelos aliados, embora possa parecer uma solução para compensar a ausência americana, não aborda a questão fundamental: o fim de uma era de liderança direta de Washington. Os Estados Unidos sinalizam uma mudança de postura, limitando-se a indicar a direção, sem necessariamente liderar o movimento.

Nesse vácuo de liderança, os aliados tradicionais dos EUA – como os estados europeus, Canadá, Austrália, Coreia do Sul e Japão – demonstram uma notável falta de harmonia. A história europeia, pontuada por rivalidades e conflitos seculares, contrasta com o breve período de relativa paz sob o domínio romano. A ausência de uma ameaça externa unificadora, como outrora foram as invasões bárbaras, vikings ou mongóis, ou mesmo os impérios de Carlos Magno, Napoleão e Hitler, abre espaço para a criação de narrativas de um suposto perigo russo, como se Moscou estivesse às portas da Europa.

A sugestão da Rand Corporation, um think tank influente ligado ao complexo militar-industrial americano, de criar um “conselho de dissuasão europeu” envolvendo França, Reino Unido, Alemanha e Polônia, é vista por Meyssan com ceticismo. Ele argumenta que armas nucleares estratégicas carecem de poder de dissuasão sem o respaldo de forças convencionais robustas, uma capacidade que nenhum país europeu possui atualmente, priorizando operações externas em detrimento da defesa territorial.

A dependência da inteligência americana nos campos de batalha representa outro fator de vulnerabilidade para os aliados da OTAN. Caso os Estados Unidos decidam não se envolver em um conflito, podem bloquear o uso de equipamentos pesados fornecidos, limitando a capacidade de ação de todo o conjunto. O mesmo princípio se aplica a armamentos vendidos por França e Reino Unido, equipados com sistemas de inibição, conferindo a Paris e Londres um poder de intervenção em potenciais conflitos regionais entre seus próprios aliados.

A crítica do Vice-Presidente JD Vance na Conferência de Munique sobre Segurança, lamentando o abandono de valores fundamentais compartilhados com os EUA, é interpretada por Meyssan como um prenúncio do fim do “Império Americano” e do declínio das elites aliadas que o sustentavam.

Essa transformação no cenário geopolítico expõe as fragilidades das instituições nacionais e intergovernamentais. Sob a gestão de Elon Musk no Departamento Governamental de Eficiência Econômica (DOGE), a burocracia americana passa por um processo de enxugamento, com a exposição pública de falhas de gestão pregressas. Paralelamente, a administração Trump desmantela os pilares financeiros do imperialismo americano, atingindo agências como a USAID, o United States Institute of Peace (USIP) e a National Endowment for Democracy (NED), outrora instrumentos da CIA no âmbito da cooperação de inteligência. A descoberta de novas agências de atuação obscura, como a U.S. African Development Foundation, reforça a tese de um sistema de influência global em desmantelamento.

O impacto desse desmantelamento se estende às ONGs e partidos políticos financiados pelos EUA em todo o mundo, que agora se veem na contingência de buscar novas fontes de recursos ou encerrar suas atividades. Entre os aliados, esse sistema de influência também entra em colapso, expondo a atuação de entidades como a “Repórteres sem Fronteiras” como um braço da CIA, ou o alinhamento da Fundação Jean-Jaurès a interesses da agência americana. A União Europeia também não escapa dessa análise crítica, com estudos revelando o financiamento de programas para combater o euroceticismo e promover narrativas favoráveis à integração, enquanto vozes dissidentes são silenciadas. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, já apontado como influenciado por redes de George Soros, é citado como mais um exemplo dessa instrumentalização.

Em suma, a análise de Thierry Meyssan pinta um quadro de um multilateralismo tradicional em profunda crise, com o G7 e a OTAN paralisados em seu formato atual. Essas instituições, a menos que passem por uma reformulação radical, tendem a um rápido desaparecimento. Da mesma forma, a chamada “sociedade civil”, longe de representar genuinamente os cidadãos, revela-se, em muitos casos, um conjunto de entidades operando em benefício de interesses estatais, frequentemente à revelia e em detrimento dos povos que alegam servir. A ascensão do Trumpismo, na visão perspicaz de Meyssan, não é apenas uma mudança de governo, mas um divisor de águas que anuncia o fim de uma era e a necessidade urgente de repensar a arquitetura da ordem global.


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