QUAL A REAL SITUAÇÃO DA CHINA AGORA QUE A GUERRA COMERCIAL FOI DECLARADA PELOS EUA?

Os EUA se sentem obrigados a aumentar a aposta quando são desafiados.

Como resultado, a partir da meia-noite de hoje, 10 de abril de 2025, serão implementadas tarifas de 104% sobre produtos chineses.

Apesar disso, o presidente acredita que tanto ele quanto a China têm interesse em alcançar um acordo comercial. Trump diz que "os chineses não sabem como conduzir essa negociação". Também disse que caso a China se disponha a negociar, ele será extremamente generoso, mas que sempre prioriza os interesses da população americana, etc, etc.

Caroline Leavitt, porta-voz do governo, comentou sobre as novas tarifas, destacando a abordagem de Donald e seu desejo de estabelecer um acordo com a China. Os desdobramentos recentes estão evoluindo rapidamente.

Estamos trazendo a visão de John Mearsheimer ao canal, teórico de relações internacionais e docente de ciências políticas da Universidade de Chicago, para analisar a situação, e fazendo os nossos comentários habituais. 

O contexto é simples, Trump adotou uma postura bastante agressiva contra a China. 

"Entre os 185 países afetados por tarifas americanas, a China, como a primeira ou segunda maior economia, é o caso mais significativo devido às implicações". 

Ambos os lados buscam um acordo, mas, se a China quiser, Trump estará pronto para negociar, embora preparado para agir com firmeza. Porém, a China retaliou com tarifas de 84%, ou seja, pagando a aposta. 

Os chineses, assim como Trump, estão jogando duro. Eles não permitirão que os EUA os intimidem, o que é previsível. Países pragmáticos como Rússia, Irã, Coreia do Norte e China sabem perfeitamente que, ao lidar com os Estados Unidos, especialmente com Trump, a força é o único fator que ele respeita. 

Qualquer sinal de fraqueza diante dele é um convite para que avance como um lobo faminto. Os chineses, Putin, os iranianos e os norte-coreanos compreendem isso mais do que qualquer um. Portanto, não é surpresa nenhuma que a China esteja revidando. 

A questão central é: para onde isso nos levará? Trump quer renegociar o comércio externo, enquanto a China opta por uma postura igualmente firme e soberana. 

Trump vende nas redes sociais: "Este é um momento ideal para trazer sua empresa aos EUA, como a Apple e tantas outras estão fazendo em números recordes. Zero tarifas, incentivos energéticos imediatos e aprovações rápidas. Sem atrasos ambientais — faça agora." Ele explicou: "Trump quer dificultar a produção em outros países, incentivando empresas a se instalarem nos EUA. Mas esse processo — financiar, construir e operar fábricas — leva anos, enquanto as tarifas têm impacto imediato. Será possível alcançar esse objetivo de longo prazo sem comprometer a economia no curto e médio prazo?"

"Trump reconhece que haverá custos no curto e médio prazo, mas acredita que os EUA sairão ganhando no longo prazo. Na competição entre EUA e China, devemos considerar dois aspectos: ganhos absolutos e ganhos relativos. Os ganhos absolutos referem-se ao impacto isolado em cada economia; os relativos, ao equilíbrio de poder entre elas. Trump acredita que, embora ambos os lados sofram inicialmente, os EUA se recuperarão melhor, restaurando sua base industrial e beneficiando a classe trabalhadora e o emprego. Já em termos relativos, ele aposta que a China será mais prejudicada, o que daria aos EUA uma vantagem estratégica."

Os EUA têm um déficit comercial significativo com a China, mas também bilhões em trocas comerciais. Se os mercados se restringirem, isso não afetará as vendas?" .

Mearsheimer diz que é um argumento válido. Quase todos os economistas, de esquerda a direita, veem essa política como arriscada e duvidam de sua eficácia. Mudanças econômicas dessa magnitude são difíceis de prever. Veja o caso das sanções contra a Rússia em 2022: esperava-se que elas devastassem sua economia, mas o resultado foi o oposto, com a Europa, especialmente a Alemanha, sofrendo mais. Não há certeza de que o plano de Trump funcionará como ele espera, nem de que não funcionará. É um terreno incerto."


Jeffrey Sachs

A economia chinesa mantém-se robusta, mas será que essa força persiste? Ou estará a economia da China aproximando-se de um pico ou emergindo de um período em que o mercado imobiliário está em declínio, o comércio em baixa e a confiança do consumidor diminuindo? Qual é a trajetória? Não sei ao certo.

A China possui uma economia extremamente vigorosa e tende a tornar-se ainda mais forte no futuro. A razão fundamental para isso reside no fato de que o país é tecnologicamente dinâmico e já lidera em diversas tecnologias que serão cruciais nas próximas três décadas: veículos elétricos, sistemas de energia com zero emissão de carbono, reatores nucleares de quarta geração, redes de armazenamento de baterias, economia do hidrogênio, transporte avançado e redes 5.5G. Essas são as tecnologias indispensáveis para a transformação energética e digital que o mundo necessita.

Além disso, a China destaca-se por sua força e dinamismo nessas áreas. O ecossistema de manufatura, especialmente na região do Delta do Rio das Pérolas, é absolutamente extraordinário, eu diria até único no mundo. Assim, o que se relata na mídia diariamente são apenas notícias pontuais. Como qualquer grande economia, a China enfrenta altos e baixos, trimestres favoráveis e desfavoráveis. A pandemia de Covid-19 representou uma interrupção significativa, mas é preciso analisar os fundamentos, e esses são muito sólidos.

Isso é altamente positivo, pois não beneficia apenas a China, mas também o mundo. Gostaria de retomar a questão da capacidade estatal chinesa e destacar dois fatos históricos que considero relevantes e positivos. Primeiro, há mais de 40 anos a China não se envolve em nenhum conflito bélico. Isso é notável. Os Estados Unidos, por outro lado, estiveram em guerra quase ininterruptamente nesse mesmo período, frequentemente em múltiplos locais. A China teve um breve confronto de um mês com o Vietnã em 1979, mas desde então manteve-se em paz.

Essa longa paz é, a meu ver, a melhor evidência da capacidade estatal da China atualmente. Há outro dado histórico em que acredito pessoalmente, embora seja objeto de debate entre historiadores e acadêmicos: por cerca de 500 anos, entre o início da dinastia Ming e a invasão britânica de 1839, na Primeira Guerra do Ópio, vigorou o que se chamou de "Paz Confuciana" na região abrangendo China, Coreia, Japão e Vietnã. Nesse período, praticamente não houve guerras.

Naquela época, a China era, sem dúvida, a potência dominante, seja em termos de paridade de poder de compra ou preços de mercado – embora o conceito de PIB ainda não existisse. Contudo, a China não invadiu o Japão, exceto nas breves tentativas mongóis em 1274 e 1281. Fora isso, em 700 anos, não há registro de invasão chinesa ao Japão. Tampouco invadiu a Coreia, pelo que sei. Já o Vietnã foi alvo de uma invasão há seis séculos, por volta de 1410.

Esse é um período excepcionalmente longo de estabilidade. Creio que isso reflete parte da essência do Estado chinês, talvez uma ordem confuciana, se assim se pode chamar. Alguns colegas nos Estados Unidos contestam essa visão, argumentando que a China seria como qualquer outro país, ou seja, propensa a conflitos constantes, pois, na perspectiva americana, a guerra é um estado permanente. Por quê? Porque a Europa esteve em guerra por mil anos.

A diferença fundamental é que a China permaneceu majoritariamente unificada por dois milênios, enquanto a Europa se manteve fragmentada, colonizando outras regiões e guerreando entre si. Até mesmo Donald Trump, em seu discurso de posse, expressou uma visão nostálgica dos anos 1950 nos EUA, sugerindo que o país "lutou seu caminho pelo continente". Isso reflete um período de expansão imperialista, uma narrativa distinta da história chinesa. Assim, minha conclusão é que pode haver, de fato, uma diferença significativa entre o Estado chinês – cauteloso, voltado a aliados ou potenciais parceiros – e outras potências, o que faz pleno sentido.

Tivemos um presidente sensato em minha época, John F. Kennedy, que buscou a paz e deixou uma frase memorável: "Apesar dos abismos e barreiras que nos separam, devemos lembrar que não há inimigos permanentes. A hostilidade hoje é um fato, mas não uma lei imutável." Ele propôs uma visão além da dicotomia entre amigos e inimigos. Já na era Biden, a mentalidade parece ser: "Você é nosso amigo ou nosso inimigo?" Essa é uma abordagem perigosa.

Sei que o tempo é escasso, mas gostaria de fazer uma última pergunta sobre a desdolarização, a internacionalização do renminbi (RMB) e a moeda dos BRICS. Trump declarou que, se alguém avançar na desdolarização, "vou taxá-los até o inferno". O que ocorrerá no sistema financeiro global agora? E qual é o papel de Hong Kong, situada entre o mundo financeiro internacional e a China – nem sempre alinhados, como no caso das criptomoedas? Como isso se integra em uma força para o futuro financeiro? A escolha é de vocês, senhoras e senhores.

Inicio com minha perspectiva: a China deveria internacionalizar o RMB, pois depender de transações em dólar é arriscado e vulnerável a intervenções oficiais dos EUA. A Rússia perdeu 300 bilhões em reservas, confiscadas, o que reflete a mentalidade em Washington, Londres e Bruxelas de tomar o que desejam. Se eu fosse um país do BRICS, diria que os EUA podem agir como quiserem, mas há alternativas para transações internacionais fora do dólar e do sistema SWIFT. Prevejo que, em dez anos, teremos um sistema financeiro global muito diferente, com o RMB e outras moedas desempenhando papéis mais relevantes.

Não acredito, porém, nas criptomoedas. Não vejo valor intrínseco nelas; ao contrário, considero que têm impacto negativo frente às moedas digitais de bancos centrais. Criptomoedas são como licenças para falsificar dinheiro. Por que delegar isso a indivíduos, em vez de ao governo, se buscamos controle monetário e um sistema bancário estável respaldado por um banco central? Para mim, criptomoedas são uma solução fictícia, uma redistribuição arbitrária de riqueza sem sentido. Como detentor de dólares, não vejo lógica no bitcoin gerando "2 trilhões de riqueza" do nada. Isso não agrega valor à economia real; apenas consome energia e emite CO2.

Sou, contudo, favorável às moedas digitais, que funcionam como mecanismos de pagamento eficientes. Aqui entra o papel do renminbi. A China, com seu superávit, tem condições de investir no mundo, seja construindo fábricas, comprando dívidas soberanas ou financiando projetos privados. Isso implica fluxos de capital em RMB, com Hong Kong como centro financeiro para intermediar esses investimentos. Esse fluxo não é negativo; ao contrário, beneficia tanto a China quanto os países receptores, numa lógica de ganhos mútuos.

Assim, gostaria de ver o RMB internacionalizado e Hong Kong transformada num hub financeiro baseado em renminbi, não em dólar. A eficiência chinesa em energias de baixo carbono e outras áreas prioritárias torna investimentos como os da Iniciativa Cinturão e Rota uma oportunidade valiosa para a China e o mundo. Hong Kong pode ser o grande centro financeiro a intermediar isso, e acredito que o renminbi, não o dólar, deveria predominar nesse processo.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Covideiros de plantão

O novo tirano

EUA QUER ESCALAR A GUERRA NO ORIENTE MÉDIO