O OCIDENTE TORNOU-SE UMA PRISAO PARA OS OUTROS E SI MESMO

 

Alexander Dugin

Nas próximas décadas, o conceito principal e mais frequentemente usado será, sem dúvida, o termo “desacoplamento” ou decoplamento. A palavra inglesa “desacoplamento” significa literalmente “desconexão de um par” e pode se referir a uma ampla gama de fenômenos — da física à economia. Em todos os casos, refere-se à quebra da conexão entre dois sistemas, especialmente quando ambos dependem um do outro em maior ou menor grau. Pode falar também em desengajamento, desconexão, mas para efeito desta análise vamos usar o “desacoplamento”.


Em um sentido amplo, civilizacional globais, “desacoplamento” significa algo diretamente oposto a “globalização”. O termo “globalização” é inglês de origem latina, globalização significa a unificação de todos os estados e culturas de acordo com regras e algoritmos estabelecidos no Ocidente. “Ser global” significa ser como o Ocidente contemporâneo, ser ocidental, significa aceitar seus valores culturais, seus mecanismos econômicos, suas soluções tecnológicas, suas instituições e protocolos políticos, seus sistemas de informação, seus padrões estéticos e seus critérios éticos como algo universal, total, global — a única opção — e obrigatória. Na prática, isso significa o “acoplamento” de sociedades não ocidentais com o Ocidente, sempre de tal forma que as regras e padrões ocidentais sirvam como o algoritmo, a regra. A globalização unipolar parte de um centro principal — o Ocidente. Então vc tem o Ocidente e o resto, como Samuel Huntington colocou. O resto deveria se conectar ao Ocidente. Essa conexão garantiu a integração em um único sistema global planetário, no “Império” global da pós-modernidade, com a metrópole localizada no centro da humanidade, ou seja, no Ocidente.


A globalização se reconhece através de instituições supranacionais — como a OMC, OMS, FMI, Banco Mundial, ICC camara internacional do comércio), ECHR (convenção européia dos direitos humanos) e até mesmo o que o ocidente vende como um governo mundial, um protótipo do qual é a Comissão Trilateral ou o Fórum de Davos — a de vinculação desse sistema ao "resto", é expresso pelo termo “acoplamento”. Entre o Ocidente coletivo e qualquer outro país, cultura ou civilização, um par foi formado, no qual uma certa hierarquia — líder/seguidor — foi imediatamente estabelecida. O Ocidente desempenhou o papel de capataz-mestre, o não-Ocidente, o de escravo-trabalhador. Ao longo desse eixo de “acoplamento”, todo o sistema de política mundial, economia, informação, tecnologia, indústria, finanças e recursos foi formado. O Ocidente nessa situação era a personificação do futuro — “progresso”, “desenvolvimento”, “evolução”, “reformas”, enquanto todos os outros deveriam se conectar ao Ocidente e segui-lo de acordo com a lógica do “desenvolvimento de recuperação”.


Aos olhos dos globalistas, o mundo estava dividido em três zonas — o "Norte rico" (essencialmente o Ocidente — os EUA e a UE, assim como a Austrália e o Japão), os "países semiperiféricos" (principalmente os países BRICS mesmo razoavelmente desenvolvidos) e o "Sul pobre" (todos os outros).


A China se envolveu na globalização no início dos anos 1980 sob Deng Xiaoping. A Rússia o fez em condições muito menos favoráveis no início dos anos 1990 sob Yeltsin. As reformas de Gorbachev também visavam "acoplar-se" ao Ocidente, ao "lar europeu comum". Mais tarde, a Índia se juntou ativamente a esse processo. Cada país "acoplou-se" ao Ocidente, o que significava integrar-se ao processo de globalização.


A globalização foi e continua sendo um fenômeno fundamentalmente centrado no Ocidente e, dado que os EUA e as elites globalistas desempenham o papel principal nela, é forçoso usar termos em inglês. A globalização foi realizada por meio de “acoplamento” e, a partir daí, todos os envolvidos seguiram suas regras e diretrizes em todos os níveis — tanto globais quanto regionais.


Os processos de globalização ganharam força a partir do final da década de 1980 até começarem a vacilar e estagnar na década de 2000. O fator mais significativo nessa reversão do vetor da globalização foi a política de Putin, que inicialmente visava integrar a Rússia à própria globalização (entrando na OMC, etc.), mas ao mesmo tempo insistia na soberania, contradizendo claramente a principal diretriz dos globalistas — caminhando em direção à dessoberanização, desnacionalização e a perspectiva de estabelecer um governo mundial. Assim, Putin rapidamente se distanciou do FMI e do Banco Mundial, observando corretamente que essas instituições usavam o “acoplamento” nos interesses do Ocidente e, muitas vezes, diretamente contra os interesses da Rússia.


Simultaneamente, a China, que obteve o máximo benefício da globalização alavancando seu envolvimento na economia global, no sistema financeiro e, especialmente, na realocação de indústrias de países ocidentais para o Sudeste Asiático (onde os custos trabalhistas eram significativamente menores), também atingiu os limites dos resultados positivos dessa estratégia. Além disso, a China inicialmente tomou cuidado para manter a soberania em certas áreas — rejeitando a democracia liberal e colorida controlada e imposta pelo Ocidente (por exemplo, os eventos na Praça da Paz Celestial) e estabelecendo controle nacional total sobre a internet e a esfera digital. Isso se tornou especialmente evidente sob Xi Jinping, que declarou abertamente o curso da China não em direção ao globalismo centrado no Ocidente, mas em direção ao seu próprio modelo de política mundial baseado na multipolaridade.


Putin também estabeleceu firmemente o curso em direção à multipolaridade, e outros países semiperiféricos, particularmente as nações BRICS, cada vez mais se inclinaram para esse modelo. As relações entre a Rússia e o Ocidente se deterioraram especialmente com o início da Operação Militar Especial (SMO) na Ucrânia, após a qual o Ocidente rapidamente começou a cortar laços com Moscou — no nível econômico (sanções), nível político (uma onda sem precedentes de russofobia), nível energético (explosões de gasodutos no Mar Báltico), no nível de intercâmbio tecnológico (proibições de fornecimento de tecnologia para a Rússia), nos esportes (uma série de desqualificações artificiais de atletas russos e a proibição de participação nas Olimpíadas) e assim por diante. Em outras palavras, em resposta à SMO, ou seja, a declaração completa de Putin sobre a soberania da Rússia, o Ocidente iniciou o "desacoplamento" da Rússia.


Neste ponto, o termo "desacoplamento" adquire seu significado completo e profundo. Não é apenas uma ruptura de laços; é um novo modo de operação para dois sistemas, cada um dos quais agora deve ser completamente independente do outro. Para os EUA e a UE, o "desacoplamento" parece ser uma punição pelo "mau comportamento" da Rússia, ou seja, seu distanciamento forçado dos processos e ferramentas de desenvolvimento. Para a Rússia, pelo contrário, essa autarquia forçada, amplamente substituída pela manutenção e até mesmo pelo desenvolvimento de contatos com países não-ocidentais, parece o próximo passo decisivo para restaurar a soberania geopolítica plena, significativamente minada e quase completamente perdida do final dos anos 1980 ao início dos anos 1990. Quem exatamente iniciou o "desacoplamento", isto é, o corte da Rússia da estrutura de globalização unipolar centrada no Ocidente, agora é difícil dizer definitivamente. Formalmente, a Rússia iniciou o SMO, mas secretamente, e, agora, já é algo mais visível e até mesmo escancarado, o Ocidente ativamente o empurrou para isso e o provocou por meio de suas ferramentas de proxy ucranianas.


Em todo caso, o fato permanece: a Rússia entrou no processo de "desacoplamento" do Ocidente e do globalismo promovido pelo Ocidente. E isso é apenas o começo. Os estágios inevitáveis ainda estão por vir.


O ocidente fanatizado sobre si mesmo, pretende rejeitar sua própria "universalidade" ocidental— em economia, política, educação, tecnologia, cultura, arte, informação, ética e por aí vai. É como se a poderosa e centenária cultura russa, fortemente influenciada pelo império bizantino, pelo legado clássico, pela cultura francesa, européia etc, não existisse mais, rs. "Desacoplamento" não significa apenas uma deterioração ou mesmo uma ruptura de relações, vai muito mais a fundo. Envolve revisitar as atitudes civilizacionais básicas formadas na Rússia, muito antes do século XX, nas quais o Ocidente foi tomado como modelo, e seus estágios históricos de desenvolvimento, como um modelo inquestionável para todos os outros povos e civilizações. Até certo ponto, por exemplo, nos últimos dois séculos do governo Romanov, o período soviético (o qual produziu uma forte crítica ao capitalismo) e especialmente a era das reformas liberais do início dos anos 1990 até fevereiro de 2022 foram todos centrados no Ocidente. Nos últimos séculos, a Rússia tem se empenhado em "acoplamento", não questionando a universalidade do caminho ocidental de desenvolvimento. Sim, os comunistas acreditavam que o capitalismo precisava ser superado, mas somente depois de construído, com base na "necessidade objetiva" de mudar o seu foco, tornando-os elites e centrando-o nas populações. Até mesmo as perspectivas de revolução mundial foram vistas por Trotsky e Lenin como um processo de "acoplamento", de "internacionalismo", uma ligação com o Ocidente, embora com o propósito de formar um proletariado global e intensificar sua luta por desenvolvimento Sob Stalin, a União Soviética se tornou uma civilização-estado separada, desviou-se mesmo da ortodoxia marxista, confiou em sua própria autonomia, criou músculos, e centrou-se mais sobre si mesmo, desligando-se, até certo ponto, do acoplamento. 


Quando a energia e as práticas do stalinismo se esgotaram, a União Soviética mais uma vez se moveu em direção ao Ocidente ao longo da lógica de "acoplamento" e previsivelmente desmoronou. As reformas liberais da década de 1990 se tornaram um novo salto em direção ao "acoplamento", ao atlantismo e a postura pró-ocidental das elites daquela época. Mesmo sob Putin, no estágio inicial, a Rússia tentou manter o “acoplamento” a todo custo, até que entrou em contradição direta com a resolução ainda mais firme de Putin de fortalecer a soberania do estado (o que teria sido impossível sob uma globalização ou acoplamento contínuo — tanto na teoria quanto na prática).


Hoje, a Rússia está consciente, firme e irreversivelmente entrando no "desacoplamento". "Acoplamento" é, portanto, uma integração com o Ocidente, reconhecendo suas estruturas, valores e tecnologias como modelos universais, e a dependência sistêmica dele, bem como se esforçando para fazer parte dele, para alcançá-lo, para segui-lo — na pior das hipóteses, significaria se humilhar ao Ocidente, uma vez que este escolheu excluir a Rússia. "Desacoplamento", pelo contrário, significa rejeitar todos esses princípios eurocêntricos, confiando não apenas na própria força, mas também nos próprios valores, na própria identidade, na própria história, no próprio espírito. Claro, a Rússia, e outros países também, precisarão compreender a profundidade disso, pois a ocidentalização da Rússia, o seu "acoplamento" durou vários séculos. Com sucesso variável, a penetração do Ocidente foi contínua e intrusiva. O Ocidente não está apenas lá fora, ele está dentro também. Portanto, o "desacoplamento" será muito difícil. Inclui operações complexas para "expulsar todas as influências ocidentais da sociedade". Além disso, a profundidade dessa limpeza é muito mais séria do que até mesmo a crítica ao sistema burguês durante a era soviética. Naquela época, tratava-se de duas linhas concorrentes de desenvolvimento dentro de uma única civilização (a civilização ocidental!) — capitalista e socialista, mas o segundo modelo — socialista — também foi construído com base nos critérios de desenvolvimento da sociedade ocidental, nos ensinamentos e teorias ocidentais, nos métodos ocidentais de cálculo e avaliação, na escala ocidental de níveis de desenvolvimento e assim por diante. Liberais e comunistas estão unidos no entendimento de que só pode haver uma civilização, e também concordam que esta é a civilização ocidental — seus ciclos, suas formações, suas fases de desenvolvimento.


Um século antes, os eslavófilos russos foram muito mais longe e pediram uma revisão sistêmica, uma rejeição da ocidentalização e uma volta às suas próprias raízes russas. Em essência, este foi o início do nosso "desacoplamento". Essa tendência, que era bastante popular na Rússia no século XIX e início do século XX, não prevaleceu então. Agora, simplesmente terão de seguir e completar o que os eslavófilos, seguidos pelos eurasianistas russos, começaram. Precisarão superar a reivindicação do Ocidente à universalidade, ao globalismo e à singularidade.


Pode-se considerar que o “desacoplamento” foi imposto pelo próprio Ocidente. Mas, parece haver uma força imponderável por trás disso. O exemplo da abertura dos Jogos Olímpicos em Paris ilustra isso claramente. O Ocidente proibiu a Rússia de participar das Olimpíadas. Mas em vez de punição, contra o pano de fundo daquele desfile esteticamente decadente, paganista, brega, com aquela lamentável luta de nadadores em águas poluídas no Rio Sena, tudo isso se transformou em algo completamente oposto, talvez seja uma operação para incentivar a Rússia a, até mesmo, um sistema independente de jogos olímpicos, desacoplado! As imagens de “desacoplamento” nos esportes ilustram um futuro mais inteligente, talvez, para os esportes. Ao separar a Rússia dos esportes, o Ocidente essencialmente está incentivando um desacoplado a uma recuperação, a uma ressurreição. A Rússia se encontra à distância, afastada do mundo das medalhas e politicagens, talvez seja melhor para ela. 


Se agora olharmos para o resto do mundo, perceberemos imediatamente que não estamos sozinhos no caminho do “desacoplamento”. Todos esses povos e civilizações inclinados a uma arquitetura mundial multipolar estão entrando no mesmo processo.


Um "desacoplamento" da China em relação aos Estados Unidos é inevitável — e já começou. A única questão é que o Ocidente quer conduzi-lo em termos favoráveis a si mesmo, enquanto a China visa o oposto, ou seja, em seu próprio benefício. Até o último momento, a China havia extraído com sucesso resultados positivos da globalização, mas agora isso requer uma revisão e confiança em seu próprio modelo, que a China vincula inextricavelmente ao sucesso da integração da Grande Eurásia (em conjunto com a Rússia) e à implementação do projeto "Um Cinturão, Uma Rota". Um "desacoplamento" da China definirá suas relações com o Ocidente nas próximas décadas.


A Índia também está cada vez mais e firmemente escolhendo a multipolaridade. Enquanto um "desacoplamento" completo do Ocidente ainda não está sendo discutido, o primeiro-ministro Narendra Modi declarou recentemente, abertamente, um curso em direção à "descolonização da mente indiana". Isso significa que neste país gigante, uma civilização-estado (Bharat), pelo menos no reino das ideias, já está se definindo para um "desacoplamento" intelectual. As formas ocidentais de pensamento, filosofia e cultura não são mais aceitas pelos indianos da nova era como modelos incondicionais. Especialmente porque as memórias dos horrores da colonização e subjugação pelos britânicos ainda estão vivas. Afinal, a colonização também foi uma forma de "acoplamento", ou seja, "modernização" e "ocidentalização" (inclusive foi apoiada por Marx).


É evidente que um "desacoplamento" completo também está ocorrendo no mundo islâmico. Contra o representante ocidental no Oriente Médio — Israel — palestinos e muçulmanos xiitas na região estão travando uma guerra real e permanente. O forte contraste entre os valores e normas ocidentais contemporâneos e aqueles da religião e cultura islâmicas tem sido há muito tempo um leitmotiv, uma sequência das políticas antiocidentais das sociedades islâmicas. O desfile vergonhoso de pervertidos na abertura das Olimpíadas em Paris apenas colocou mais lenha na fogueira, a reação mais severa à representação baconiana, dionisíaca lá das olimpíadas veio das autoridades do Irã islâmico. O islamismo é claramente orientado para o "desacoplamento", isso é irreversível.


Em certos setores, esses mesmos processos estão surgindo em outras civilizações também — na nova onda de descolonização dos povos africanos e nas políticas de muitos países latino-americanos. Quanto mais eles são atraídos para os processos de multipolaridade e quanto mais próximos eles ficam do bloco BRICS, mais aguda a questão do "desacoplamento" se torna dentro dessas sociedades.


Finalmente, podemos observar que o desejo de recuar dentro das próprias fronteiras está se tornando cada vez mais manifesto no próprio Ocidente. Populistas de direita na Europa e apoiadores de Trump nos Estados Unidos estão defendendo abertamente a "Fortaleza Europa" e a "Fortaleza América", isto é, a "dissociação" de sociedades não ocidentais — contra fluxos de imigração, a diluição da identidade e a dessoberanização. Mesmo sob Biden, um globalista comprometido e firme defensor da manutenção da unipolaridade, vemos alguns movimentos inequívocos em direção a medidas protecionistas. O Ocidente está começando a se fechar, embarcando no caminho de seu próprio desacoplamento, da própria "dissociação",


A palavra "dissociação" será fundamental para as próximas décadas. Poucos ainda percebem o quão profundo é esse processo e quais esforços intelectuais, filosóficos, políticos, organizacionais, sociais e culturais exigirá dos povos, das sociedades, países e nações. À medida que nos distanciarmos do Ocidente Global, enfrentaremos a necessidade de restaurar, reviver e reafirmar nossos próprios valores, tradições, culturas, princípios, crenças, costumes e fundações. Estamos apenas dando os primeiros passos nessa direção.


Dennis Small (EIRNS) — 08 de agosto de 2024

No domingo, 4 de agosto, o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Ryabkov — um dos diplomatas mais importantes do país — fez certos comentários de importância geopolítica ao canal de TV "Rossiya". Anunciou que "a era das concessões unilaterais de Moscou aos EUA e à OTAN acabou". Referir-se aos planos terroristas contra a Rússia o que incluiria uma conspiração do governo ucraniano a serviço dos EUA para assassinar o presidente Putin.

Mas, sem dúvida, o mais significativo de tudo foi a afirmação de Ryabkov de que "o problema é que não há mais disjuntores... Ataques ao território da Rússia são permitidos por Washington.

As garantias dos americanos, de que tais decisões não foram tomadas e nenhuma indulgência foi concedida a Kiev são completamente inúteis".

 Como se para provar que Ryabkov estava certo, apenas dois dias depois disso, 1.000 tropas de elite ucranianas lançaram uma grande incursão nas profundezas da região de Kursk, na Rússia. O governo Biden, a União Europeia e os principais think tanks transatlânticos se precipitaram para defender loucamente a ação da Ucrânia. A caixa de Pandora de ataques terrestres e aéreos sistemáticos apoiados pela OTAN em território russo foi aberta.

"O problema é que não há mais disjuntores..."

O perigo de desencadear uma guerra mundial global em torno do genocídio israelense em Gaza e provocações no sudoeste é quase tão grande quanto o que vem do teatro da Ucrânia. De que outra forma ler a presença imediata, após o assassinato israelense do líder do Hamas Ismail Haniyeh no Irã em 31 de julho, do comandante do Centcom dos EUA, general Michael Kurilla, em Tel Aviv, e do secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Sergey Shoigu, em Teerã?

Há duas características adicionais dessa crise de colapso estratégico que tornam a situação ainda mais perigosa.

Primeiro: a censura em tempo de guerra e as repressões à liberdade de expressão e reunião estão sendo rapidamente colocadas em prática em todo o mundo ocidental, para que nenhuma "narrativa" diferente da oficial seja sussurrada em qualquer canto do reino atlanticista. Os esforços para intimidar e silenciar críticos francos, como Scott Ritter e Tulsi Gabbard; esforços semelhantes em andamento na Alemanha e em outros países da UE contra várias mídias; e o rápido crescimento das listas de alvos financiadas pelos governos dos EUA e do Reino Unido — todos esses são componentes da campanha de guerra descrita acima.

Segundo: O colapso do sistema financeiro transatlântico infestado de especulação está levando a fluxos financeiros violentos, como aqueles por trás do colapso da segunda-feira negra dos mercados de ações ao redor do mundo nesta semana. As nações do Sul Global estão sendo submetidas a níveis de austeridade e pilhagem impostos pelo FMI que tornam governos estáveis impossíveis — abrindo as portas para a ocupação militar de fato liderada pela OTAN. Isso está tornando a ruptura definitiva do Sul Global com o sistema especulativo denominado em dólar ainda mais necessária e possível na próxima cúpula do BRICS, de 22 a 24 de outubro em Kazan, Rússia.

O vice-ministro das Relações Exteriores Ryabkov emitiu o aviso necessário: "Aqueles que ouvem apenas a si mesmos, sentados em Washington, em Bruxelas, em Varsóvia ou onde quer que seja, devem prestar atenção."

A fundadora do Instituto Schiller, Helga Zepp-LaRouche, apontou a solução para esse aviso:

"Acho que estamos absolutamente à beira do apocalipse em duas frentes", afirmou Zepp-LaRouche durante seu webcast semanal de 7 de agosto. "Uma é naturalmente o Oriente Médio, e a outra é a escalada da situação na Ucrânia. Acho que isso requer uma mobilização extraordinária de muitas pessoas e muitas forças ao redor do mundo para mudar a situação... O Novo Paradigma [significa] pensar na Humanidade Única; como viveremos juntos daqui a 100 anos; como podemos superar todos os conflitos supostamente tão importantes e realmente pensar no que nos une como espécie humana."

O mundo está progredindo rapidamente em um caminho de destruição, incitado pela facção pró-guerra da ordem unipolar de hoje. Em outras palavras, como o coronel Lawrence Wilkerson (aposentado) descreveu na reunião de sexta-feira da Coalizão Internacional pela Paz, este império, como muitos outros antes dele, não existirá para sempre — mas ainda não se sabe se a humanidade sobreviverá ao seu fim. Vários eventos nos últimos dias deixam essa imagem bem clara.

No sudoeste da Ásia, o Ocidente continua a apoiar a devastação de Israel na Palestina, Líbano e além, ameaçando levar a região a uma guerra total. Apenas um dia depois que os EUA, Catar e Egito emitiram uma declaração pedindo que Israel e o Hamas assinassem o acordo de cessar-fogo para reféns proposto pelos EUA no início deste ano — uma proposta que o próprio Israel concordou em enviar uma delegação para discutir — Israel começou a bombardear uma escola em Gaza que abrigava milhares de refugiados. Provavelmente mais de 100 foram mortos em uma demonstração de brutalidade que infelizmente é comum e que só vai exacerbar ainda mais as tensões. Como o Hezbollah ou o Irã responderão aos assassinatos inflamatórios de 30 e 31 de julho ainda é uma incógnita, mas o fato é que a região está à beira de explodir.



A jogada ucraniana na região russa de Kursk está se mostrando uma provocação séria capaz de levar as tensões a um novo nível. Ainda há muita incerteza sobre a rapidez com que a Rússia retomará o controle de seus territórios e quantos morrerão no processo, mas o que é certo é que alguns no partido da guerra ocidental vão usar isso daí para pressionar "líderes ocidentais tímidos" para inundar a Ucrânia com mais armas. Como o conselho editorial do Wall Street Journal recomendou na sexta-feira, 9 de agosto: "A melhor resposta é enviar ainda mais armas para a Ucrânia, incluindo mísseis de longo alcance que tenham como alvo bases e linhas de suprimento na Rússia, e remover os limites do uso de mísseis ATACMS."

 Esses dois teatros de guerra, por assim dizer, ilustram que o mundo não está fora de perigo, apesar do desejo global esmagador por paz e negociações para resolver esses dois conflitos. Mas a esses deve ser adicionado um terceiro "teatro", o de uma crescente repressão semelhante à da Gestapo à dissidência interna, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. Um exemplo disso é a recente invasão do FBI à casa do ex-inspetor de armas da ONU Scott Ritter, sob a alegação de que ele violou as leis de não se registrar como "agente estrangeiro". Ritter é apenas o exemplo mais recente, pois seu caso aponta para a guerra (como ele mesmo descreveu) contra aqueles que falam pela paz e contra as políticas de guerra insanas e ditatoriais do império anglo-americano.

O fato é que, se vamos mudar essa situação, será por meio da coragem. Há uma razão pela qual os gregos disseram que Atena, a deusa da sabedoria, nasceu totalmente armada. Não é a falta de "informação" ou controle da mídia que impede as pessoas de agir hoje. Como Gandhi recrutou sua nação para repreender o Império Britânico? Como Martin Luther King Jr. inspirou um movimento durante a era dos direitos civis? A coragem de confrontar os males de hoje não vem do conhecimento, mas o contrário, por meio da própria coragem. 



Construídas em um estaleiro em Itajaí, em Santa Catarina, a primeira das quatro novas fragatas da Marinha do Brasil foi lançada ao mar na sexta-feira (9) em cerimônia que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A embarcação Tamandaré é um navio-escolta que será usado em missões e proteção do território nacional.

Um dos principais programas para a renovação da frota da Marinha brasileira entregou a primeira das quatro novas fragatas quatro anos após a assinatura do acordo que deu início à construção dos equipamentos militares em um estaleiro em Itajaí. Com investimentos de cerca de R$ 9 bilhões, os navios-escolta são produzidos pelo Consórcio Águas Azuis, formado pela Embraer Defesa e Segurança, a subsidiária da companhia brasileira Atech e a gigante alemã ThyssenKrupp Marine Systems.

O acordo prevê ainda a transferência de tecnologia ao Brasil, além de ser responsável pela geração de mais de 8 mil empregos, sendo 6 mil indiretos. Apesar do lançamento da primeira unidade ao mar, só estará disponível para missões em 2025, quando vai receber equipamentos como mísseis e torpedos. Já as demais embarcações serão entregues de forma gradual até 2028.

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