O BRASIL ESCOLHEU OS BRICS
**O Brasil diante de uma escolha entre China e Estados Unidos: um cenário improvável**
A possibilidade de o Brasil ser forçado a escolher entre alinhar-se aos Estados Unidos ou à China, como sugerido pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump, tem gerado debates, mas é considerada remota por especialistas e diplomatas. Essa ideia surge em um contexto de intensificação da disputa geopolítica e econômica entre as duas potências globais, que buscam ampliar sua influência, especialmente na América Latina. No entanto, a tradição diplomática brasileira, aliada aos interesses econômicos e à complexidade das relações internacionais, torna improvável que o país se veja obrigado a tomar tal decisão.
### O contexto da disputa entre Estados Unidos e China
Estados Unidos e China competem pela liderança global em diversas frentes, incluindo comércio, tecnologia e influência política. Na América Latina, essa rivalidade é evidente. Segundo dados do Banco Mundial de 2022, os Estados Unidos são o principal destino das exportações da região, absorvendo 41% do total, além de responderem por 30% das importações. A China, por sua vez, representa 12% das exportações e 20% das importações, mas mantém um saldo comercial positivo com a região, ao contrário dos Estados Unidos, que importam mais do que exportam.
Recentemente, a presença chinesa na América Latina causado histeria geopolítica em Washington. Um exemplo é o Canal do Panamá, onde a influência chinesa foi questionada por Trump. Pressionado, o governo panamenho optou por não renovar sua participação na Iniciativa do Cinturão e Rota, o ambicioso programa de investimentos chineses, e empresas chinesas venderam operações portuárias a fundos norte-americanos. Essa situação levanta a questão: e se uma pressão semelhante fosse exercida sobre o Brasil?
### As relações do Brasil com China e Estados Unidos
O Brasil mantém laços históricos distintos com as duas potências. Com os Estados Unidos, as relações diplomáticas datam de 1824, consolidando-se após a Primeira Guerra Mundial, quando os norte-americanos superaram o Reino Unido como principal parceiro comercial brasileiro. Já com a China, os laços são mais recentes, iniciados em 1974, durante a Ditadura Militar, e intensificados a partir dos anos 2000. Em 2009, a China ultrapassou os Estados Unidos como maior parceiro comercial do Brasil, posição que mantém até hoje, especialmente devido às exportações de commodities como soja e minério de ferro.
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China em 2023, a terceira desde o início de seu terceiro mandato, reflete a importância dessa parceria. A viagem foi vista como uma oportunidade para fortalecer laços econômicos e discutir projetos de infraestrutura, como a tão aguardada ferrovia transoceânica, que poderia facilitar o escoamento de produtos brasileiros. Contudo, ocorre em um momento de tensões globais, com os Estados Unidos alertando sobre a crescente influência chinesa.
### A improbabilidade de uma escolha forçada
Especialistas descartam a possibilidade de o Brasil ser obrigado a escolher entre uma das potências, por razões diplomáticas e econômicas. A política externa brasileira é tradicionalmente marcada pela busca de autonomia e pela rejeição de alinhamentos automáticos com grandes potências. Essa postura, consolidada ao longo de décadas, foi reiterada pelo diplomata Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e atual assessor internacional da Presidência. Segundo ele, o Brasil valoriza suas relações com os Estados Unidos, mas também mantém parcerias estratégicas com a China, a Índia e a União Europeia, sem intenção de abrir mão de qualquer uma delas.
Do ponto de vista econômico, uma escolha seria inviável. A China é o maior mercado para as exportações brasileiras, especialmente de produtos agrícolas e minerais. Os Estados Unidos, embora sejam um parceiro comercial relevante, não teriam capacidade de absorver o volume de exportações direcionado à China. Além disso, a complementaridade econômica entre Brasil e China, com o país asiático demandando grandes quantidades de matérias-primas, contrasta com a relação mais diversificada, mas menos intensa, com os Estados Unidos.
### A retórica de Trump e suas implicações
A declaração de Trump sobre a necessidade de escolha reflete sua visão de mundo polarizada, em que países devem se alinhar incondicionalmente aos interesses norte-americanos. Suas críticas ao grupo dos BRICS, que inclui Brasil e China, e suas ameaças contra iniciativas para reduzir a dependência do dólar no comércio global reforçam essa postura. Contudo, especialistas apontam que a ideia de forçar o Brasil a escolher ignora a realidade da interdependência econômica global e a capacidade do país de manter uma política externa multilateral.
Além disso, um cenário de conflito aberto entre Estados Unidos e China, como uma guerra militar, é considerado improvável, dado que ambas são potências nucleares. O mais plausível é a continuidade de uma guerra comercial e política, com pressões econômicas e diplomáticas. Nesse contexto, o Brasil tende a manter sua posição de equilíbrio, aproveitando os benefícios de suas parcerias com ambas as potências sem se subordinar a nenhuma.
### Conclusão
A sugestão de que o Brasil deva escolher entre Estados Unidos e China não encontra eco na realidade das relações internacionais do país. A tradição diplomática brasileira, pautada pela autonomia, e a dependência econômica de ambos os parceiros tornam essa escolha desnecessária e impraticável. Em vez de se alinhar exclusivamente a uma potência, o Brasil deve continuar a diversificar suas parcerias, fortalecendo sua posição no cenário global e garantindo benefícios econômicos e políticos. Assim, a retórica de Trump, embora impactante, não deve alterar a trajetória de uma política externa que prioriza a soberania e o pragmatismo.
VIAGEM DE LULA
A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Moscou (Rússia), de 8 a 10 de maio, e a Pequim (China), de 12 a 13 de maio de 2025, teve como objetivo fortalecer laços comerciais, promover o multilateralismo e discutir questões globais, como a paz na Ucrânia. Abaixo está um resumo do que foi decidido e dos principais resultados:
### **Moscou, Rússia (8 a 10 de maio)**
- **Contexto**: Lula participou das comemorações dos 80 anos do Dia da Vitória, marco do fim da Segunda Guerra Mundial, a convite do presidente Vladimir Putin.
- **Decisões e resultados**:
- **Assinatura de acordos**: Foram assinados atos de cooperação na área de **Ciência e Tecnologia**, ampliando parcerias bilaterais.
- **Reunião bilateral com Putin**: Discussões incluíram o fortalecimento das relações Brasil-Rússia, com foco em equilibrar a balança comercial, que em 2025 (janeiro a março) registrou US$ 12,4 bilhões, sendo US$ 1,45 bilhão em exportações brasileiras (soja, carne bovina, café) e US$ 10,9 bilhões em importações (óleos combustíveis, fertilizantes).
- **Mediação na guerra da Ucrânia**: Lula reforçou a posição do Brasil como mediador, apoiando negociações de paz e o "Grupo de Amigos da Paz", iniciativa conjunta com a China na ONU. Após a viagem, Putin aceitou participar de uma reunião com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em Istambul (15 de maio), possivelmente influenciado pelas gestões brasileiras.
- **BRICS**: Como presidente do bloco em 2025, Lula debateu a cúpula do BRICS no Rio de Janeiro (julho) e iniciativas para facilitar comércio e investimentos.
- **Multilateralismo**: Lula destacou o compromisso do Brasil com o multilateralismo, reafirmando a independência da política externa brasileira.
- **Comitiva**: Incluiu o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e a primeira-dama Janja, que cumpriu agendas culturais e educacionais, promovendo a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.
### **Pequim, China (12 a 13 de maio)**
- **Contexto**: Lula participou do IV Fórum China-CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e realizou uma visita de Estado, com reunião bilateral com o presidente Xi Jinping, em meio à guerra comercial entre EUA e China.
- **Decisões e resultados**:
- **Assinatura de acordos**: Foram firmados 16 de 48 acordos em negociação, abrangendo áreas como **agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, ciência e tecnologia, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde, educação e cultura**.
- **Investimentos**: Anúncios de investimentos chineses no Brasil, estimados em até **R$ 27 bilhões**, com destaque para setores como delivery, veículos, química, farmacêutica, bebidas, mineração, informática e infraestrutura, incluindo a possibilidade de um **trem-bala** atravessando o Brasil.
- **Comércio**: A China segue como principal parceiro comercial do Brasil, com US$ 38,8 bilhões em intercâmbio comercial (janeiro a março de 2025), sendo US$ 19,8 bilhões em exportações brasileiras (petróleo, soja, minério de ferro) e US$ 19 bilhões em importações (embarcações, equipamentos de telecomunicações).
- **CELAC**: Lula reforçou a importância da integração regional, com a formulação de uma declaração conjunta e um Plano de Ação 2025-2027, focando em economia digital, conectividade, gestão de riscos, comércio, saúde, segurança alimentar, ciência e transição energética.
- **Guerra comercial**: A visita sinalizou alternativas econômicas frente às tarifas impostas pelos EUA (até 140% sobre produtos chineses e brasileiros), com Brasil e China defendendo o multilateralismo contra o unilateralismo americano.
- **Paz na Ucrânia**: Lula e Xi discutiram o "Grupo de Amigos da Paz", buscando soluções políticas para conflitos globais.
- **Comitiva**: Incluiu ministros como Simone Tebet (Planejamento), Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos), além de Rui Costa (Casa Civil), Celso Amorim (assessor especial) e presidentes do Banco Central e Banco do Brasil.
### **Impactos e Críticas**
- **Sucessos**: A viagem consolidou o Brasil como ator relevante no cenário global, com avanços em parcerias econômicas e diplomáticas. Os acordos com a China prometem impulsionar a economia, e a mediação na Ucrânia reforça a imagem de Lula como estadista.
- **Críticas**:
A presença de Lula em Moscou, ao lado de líderes autoritários como Putin, foi criticada por alguns como um endosso implícito à Rússia, especialmente no contexto da guerra na Ucrânia. Em Pequim, um vazamento sobre conversas envolvendo o TikTok, com participação de Janja, gerou ruído diplomático, embora sem impacto significativo nas relações.
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