NÃO FOI A RÚSSIA QUE CAUSOU A GUERRA DA UCRÂNIA, FOI O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE

 

**Análise Geopolítica: Diplomacia, Narrativas e o Conflito na Ucrânia**


No contexto das relações internacionais contemporâneas, a diplomacia enfrenta desafios complexos em um mundo marcado por narrativas polarizadas e interesses estratégicos conflitantes. Este artigo, inspirado em uma conversa entre Pascal Lothar, do canal Estudos de Neutralidade, e o embaixador José Zorrilla, ex-diplomata espanhol com vasta experiência em cargos consulares e embaixadas, explora as dinâmicas geopolíticas envolvendo o conflito na Ucrânia, o papel das potências ocidentais e as tensões históricas que moldam a percepção da Rússia no cenário global.


### Contexto Diplomático e Narrativas Geopolíticas


O diálogo entre Lothar e Zorrilla revela uma perspectiva crítica sobre a condução da diplomacia ocidental, especialmente no que tange à crise ucraniana iniciada em 2014 e intensificada em 2022. Zorrilla, com sua trajetória no Serviço Diplomático Espanhol desde 1973, incluindo passagens por Milão, Xangai, Moscou e Geórgia, oferece uma visão fundamentada em décadas de observação direta das relações internacionais. Ele argumenta que, entre diplomatas profissionais, há um entendimento compartilhado sobre os eventos que culminaram no conflito, embora tais análises raramente cheguem ao público devido às restrições impostas pela política.


Segundo Zorrilla, a narrativa dominante no Ocidente, que apresenta a Ucrânia como vítima de uma agressão russa não provocada, ignora fatores históricos e estratégicos cruciais. Ele aponta que, desde o colapso da União Soviética em 1991, os Estados Unidos optaram por uma estratégia de contenção da Rússia, rejeitando propostas europeias, como a sugerida pela Alemanha, de uma arquitetura de segurança inclusiva que abrangesse toda a Eurásia, da Bretanha ao Quirguistão. Essa visão, detalhada no livro *Not One Inch* de Mary Elise Sarotte, foi preterida em favor da expansão da OTAN, vista como um instrumento de influência geopolítica ocidental.


### O Papel da OTAN e a Crise de 2014


A expansão da OTAN para o leste, particularmente após a dissolução da URSS, é um ponto central na análise de Zorrilla. Ele argumenta que essa política, inspirada em doutrinas como a de Paul Wolfowitz e respaldada por think tanks como a Rand Corporation, visava não apenas conter a Rússia, mas também consolidar a hegemonia americana em um contexto de "destino manifesto". Tal abordagem, no entanto, gerou consequências desestabilizadoras, como o financiamento de organizações não governamentais (ONGs) na Ucrânia, que culminaram no golpe de Estado de 2014, conhecido como Euromaidan.


Zorrilla contesta a ideia de que Viktor Yanukovych, presidente ucraniano deposto em 2014, fosse um mero "fantoche russo". Ele sugere que Yanukovych buscava equilibrar as aspirações pró-russas do leste ucraniano com as tendências pró-ocidentais do oeste, uma estratégia que, embora desafiadora, visava manter a coesão nacional. Contudo, a intervenção externa, particularmente dos Estados Unidos, desestabilizou esse equilíbrio, alimentando divisões que levaram à guerra civil no leste da Ucrânia e, posteriormente, ao conflito aberto com a Rússia.


### A Diplomacia em Crise: O Caso de Istambul


Um dos pontos mais controversos levantados por Zorrilla é o fracasso das negociações de paz em Istambul, em 2022. Segundo ele, fontes confiáveis, incluindo figuras como Victoria Nuland, Oleksii Aristovich e David Arakhamia, confirmam que um acordo preliminar foi alcançado entre Rússia e Ucrânia, prevendo a neutralidade ucraniana em troca da suspensão das hostilidades. No entanto, pressões de Washington, que via na continuidade do conflito uma oportunidade de enfraquecer a Rússia, levaram ao colapso do acordo. Essa decisão, segundo Zorrilla, reflete uma visão neoconservadora que prioriza a dominação global sobre a estabilidade regional.


### Russofobia ou Estratégia Geopolítica?


A discussão também aborda a percepção da Rússia no Ocidente, frequentemente descrita como russofobia. Zorrilla argumenta que o termo pode ser impreciso, pois o que predomina não é o medo, mas uma hostilidade estruturada, enraizada em interesses geopolíticos. Ele remonta a episódios históricos, como a Guerra da Crimeia (1853-1856), quando o Reino Unido impediu a Rússia de conquistar Constantinopla, e a Segunda Guerra Mundial, quando líderes ocidentais, como Harry Truman, viam a enfraquecida URSS como uma ameaça persistente. Essa hostilidade, segundo Zorrilla, é agravada pela visão de que a Rússia, com seus 12 fusos horários, é um obstáculo à hegemonia global.


Na Europa, a adesão a essa narrativa anti-russa varia. Zorrilla critica a liderança de países como Polônia e os Estados Bálticos, que, movidos por ressentimentos históricos, influenciam a política da União Europeia de forma desproporcional. Ele contrasta essa postura com a da Alemanha, que, em 2008, opôs-se à adesão da Ucrânia e da Geórgia à OTAN, e com a Espanha, que, segundo ele, segue as diretrizes americanas sem questionamentos públicos significativos.


### Reflexões sobre a Espanha e o Futuro da Europa


No que diz respeito à Espanha, Zorrilla destaca que o país adotou uma postura alinhada com os Estados Unidos, aplicando sanções contra a Rússia e apoiando a narrativa ocidental sobre a Ucrânia. Contudo, ele sugere que, em conversas privadas, diplomatas espanhóis compartilham uma visão mais nuançada, reconhecendo as complexidades do conflito. Essa dicotomia entre o discurso público e as análises internas reflete, segundo ele, a subordinação da diplomacia à política, uma realidade que compromete a busca por soluções racionais.


Para o futuro da Europa, Zorrilla defende a necessidade de uma diplomacia autônoma, guiada por interesses estratégicos nacionais e regionais, em vez de emoções ou narrativas impostas. Ele critica a falta de visão estratégica entre as elites europeias, que, em sua opinião, delegaram o destino do continente a atores externos e a países com agendas particulares, como os Estados Bálticos. A retomada do diálogo, como observado nas negociações mediadas pela Arábia Saudita em 2025, é vista como um passo positivo, mas insuficiente sem uma revisão profunda das políticas ocidentais.


### Conclusão: Em Busca de uma Diplomacia Racional


A análise de Zorrilla sublinha a importância de uma diplomacia profissional, livre de narrativas ideológicas, para enfrentar os desafios de um mundo multipolar. O conflito na Ucrânia, longe de ser uma simples dicotomia entre agressor e vítima, é o resultado de décadas de decisões estratégicas que priorizaram a hegemonia sobre a estabilidade. Para evitar a repetição de tais erros, é essencial que a Europa desenvolva uma estratégia própria, baseada em interesses coletivos e no diálogo inclusivo, reconhecendo a Rússia não como uma ameaça existencial, mas como um ator inevitável na segurança eurasiática.


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**Notas Explicativas e Referenciais**


1. **Expansão da OTAN**: A ampliação da OTAN após 1991 incluiu países como Polônia, Hungria e República Tcheca (1999), seguidos por Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia (2004). Essa política foi criticada por analistas como John Mearsheimer por provocar tensões com a Rússia.


2. **Euromaidan (2014)**: O movimento que derrubou Yanukovych foi apoiado por atores ocidentais, mas também refletiu divisões internas na Ucrânia. Documentos vazados, como as conversas de Victoria Nuland, indicam influência americana na formação do governo pós-golpe.


3. **Acordos de Minsk**: Propostos em 2014 e 2015, os acordos buscavam um cessar-fogo no leste da Ucrânia. Angela Merkel admitiu, em 2022, que os acordos serviram para "ganhar tempo" para a Ucrânia, o que reforça as críticas de Zorrilla sobre sua instrumentalização.


4. **Guerra da Crimeia**: O conflito impediu a expansão russa no Império Otomano, mas também consolidou a desconfiança mútua entre Rússia e potências ocidentais, um padrão que persiste.



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