A ÁSIA SEGUE CRESCENDO

As transações comerciais entre China e Indonésia passaram a ser realizadas exclusivamente em yuan e rúpia, com um volume de negócios que superou 900 bilhões de dólares, indicando uma redução da dependência do dólar.

Recentemente, ocorreu na Malásia a primeira cúpula histórica da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), que reúne dez países, incluindo Tailândia, Malásia e Indonésia, em conjunto com o Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), composto por seis nações, com destaque para Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar. Realizado em Kuala Lumpur, o evento marcou um momento significativo para as relações trilaterais entre o Sudeste Asiático, o GCC e a China, promovendo discussões sobre desenvolvimento sustentável, comércio em moedas locais e fortalecimento de laços econômicos, políticos e culturais. A cúpula destacou a retomada de interações milenares, remontando às rotas da seda terrestres e marítimas, agora revitalizadas no contexto da Iniciativa Cinturão e Rota, liderada pela China.

Essa integração reflete a consolidação de um mundo multinodal e multipolar, com ênfase na cooperação Sul-Sul. A Malásia, anfitriã do evento, posiciona-se como um entroncamento estratégico no Sudeste Asiático, beneficiada pela confluência de influências chinesa, indiana e malaia, além de sua proximidade com Singapura. A cúpula reforçou a centralidade da ASEAN, cujo principal parceiro comercial é a China, e destacou os investimentos significativos do GCC na região, especialmente em países como Tailândia, Malásia e Indonésia. O volume comercial entre o GCC, o Sudeste Asiático e a China ultrapassou 900 bilhões de dólares em 2024, com projeções de superar um trilhão em 2025, superando em relevância o comércio desses países com os Estados Unidos.

Paralelamente, as relações entre os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e seus parceiros, como Indonésia, Tailândia e Malásia, ganharam destaque. A cúpula do BRICS, programada para julho de 2025 no Rio de Janeiro, será um marco para a consolidação de estratégias de comércio em moedas locais, um dos principais objetivos do grupo. Esse movimento reflete o fortalecimento de um laboratório de testes econômicos, iniciado antes da cúpula de Kazan em 2024, que busca modelos de cooperação multilateral fora da hegemonia do dólar.

No cenário geopolítico, observa-se uma escalada de tensões envolvendo a Rússia e os Estados Unidos, agravada por narrativas conflitantes. Declarações do presidente norte-americano, Donald Trump, classificando o presidente russo, Vladimir Putin, como "louco", intensificaram a russofobia no Ocidente. Essas afirmações, disseminadas por meio de redes sociais, carecem de contextualização e ignoram os ataques ucranianos com mais de mil drones contra alvos russos, incluindo civis, que precederam respostas militares russas contra infraestruturas ucranianas. Tais declarações comprometeram as pré-negociações para um cessar-fogo na Ucrânia, iniciadas em Istambul, com a possibilidade de um segundo encontro mencionada pelo ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov. Contudo, a imprevisibilidade da retórica norte-americana, aliada à pressão do complexo industrial-militar e de setores neoconservadores, ameaça transformar o conflito em uma "guerra eterna", contrariando promessas de campanha de Trump para uma resolução rápida.

O contraste entre o diálogo construtivo no Sul Global, exemplificado pela cúpula da ASEAN-GCC, e a volatilidade das narrativas ocidentais evidencia uma mudança no equilíbrio global. Enquanto o Sul Global avança na consolidação de parcerias econômicas e geopolíticas, o Ocidente enfrenta desafios internos e externos, marcados por narrativas instáveis e pela incapacidade de lidar com a derrota estratégica na Ucrânia, onde a Rússia mantém sua posição firme. Esse cenário sugere a consolidação de um mundo multipolar, com o Sul Global desempenhando um papel central no futuro das relações internacionais.




**A Reorganização da Governança Global a Partir de 2013**

A governança global contemporânea passa por uma profunda reestruturação, marcada por mudanças significativas na distribuição e exercício do poder, especialmente a partir de 2013. Este processo é impulsionado pela ascensão de novos atores geopolíticos, pela competição tecnológica e econômica e pela reconfiguração das alianças internacionais.


### A Polarização nos Estados Unidos e o Papel de Obama

A reeleição de Barack Obama em 2012, um marco improvável para setores conservadores americanos, intensificou a polarização política nos Estados Unidos, particularmente na costa leste. O uso inovador das mídias sociais foi decisivo para sua vitória, marcando o início de uma nova era na comunicação política. A crise financeira de 2008, que abalou a economia americana, coincidiu com o início de um declínio relativo dos EUA frente à ascensão da China. Obama implementou uma estratégia de *soft power*, tanto internamente quanto externamente, que contrastava com o neoconservadorismo tradicional. Em resposta, emergiu uma nova direita, mais religiosa e focada em questões culturais, que capitalizou o poder crescente das mídias sociais, especialmente entre 2008 e 2012, para reorganizar sua base de apoio.

A elite plutocrática americana, composta por indivíduos com fortunas superiores a 10 bilhões de dólares, exerceu influência significativa. Em 2013, por exemplo, bilionários adquiriram cerca de 1.600 estações de rádio no interior dos EUA, consolidando um projeto de mídia social que se expandiu globalmente. Esse movimento reflete a capacidade de uma minoria econômica de moldar narrativas e influenciar a política em escala mundial.


### A Ascensão da China e a Competição Geopolítica

A partir de 2012-2013, a China consolidou sua posição como competidor global, rompendo a aliança estratégica com os EUA estabelecida nos anos 1970, durante a era Kissinger. A Belt and Road Initiative, lançada nesse período, expandiu a influência chinesa por meio de investimentos em infraestrutura, como portos e ferrovias, em diversos países. No Brasil, por exemplo, o comércio de soja com a China intensificou-se a partir de 2012, ilustrando a crescente dependência econômica de nações em relação a Pequim.


A China também avançou tecnologicamente, superando etapas tradicionais de desenvolvimento. Enquanto o Ocidente dependia de cartões de crédito em 2008, a China migrou diretamente para pagamentos móveis via 5G, implementando tecnologias como transações por aproximação já em 2012-2013. Empresas como Alibaba, TZIT e IAT, fundadas nesse período, simbolizam o salto tecnológico chinês, que desafia a supremacia ocidental, especialmente em alta tecnologia.


Em 2024, dados da ONU e da Organização Mundial do Comércio revelaram que 151 dos 193 países membros da Assembleia Geral da ONU possuem maior corrente de comércio (soma de exportações e importações) com a China do que com qualquer outro país. No Brasil, 35% das exportações e 25% das importações estão vinculadas à China, superando o comércio com os EUA. Esse domínio comercial confere à China uma influência geopolítica e geoeconômica sem precedentes, especialmente em nações da Ásia (como Malásia, Indonésia e Vietnã) e da África, onde 45 dos 56 países dependem economicamente de Pequim.


Projetos como o porto de Chancay, no Peru, remodelado com investimento de 3,5 bilhões de dólares, e a ferrovia bioceânica, que conectará o Brasil ao Pacífico, ilustram a estratégia chinesa de construir infraestrutura para consolidar sua influência. Esses projetos, aliados à oferta de crédito em yuan e operações de swap cambial, como as realizadas na Argentina, reforçam o poder econômico chinês em silêncio, contrastando com a abordagem mais confrontacional dos EUA.


### A Reconfiguração do Ocidente e a Nova Divisão Global

A governança global atual reflete a formação de dois blocos distintos: o Ocidente, liderado pelos EUA e incluindo aliados como Austrália, Japão, Coreia do Sul e países europeus, e um bloco liderado pela China, com aliados como Rússia, Irã e nações do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O conceito de Ocidente transcende a geografia, englobando nações alinhadas cultural e economicamente, enquanto a China constrói uma rede de influência com países em desenvolvimento.


A crise de 2008 marcou o início de uma competição tecnológica e econômica, com a China desafiando o domínio ocidental. O Ocidente clássico, estruturado após a Segunda Guerra Mundial e mantido após a Guerra Fria, enfrenta agora uma nova realidade. A China, que não era uma potência vitoriosa na Segunda Guerra, construiu uma rede de poder alicerçada em comércio e infraestrutura, distinta do modelo ocidental baseado em alianças militares como a OTAN.


### Poder Militar e Conflitos Regionais

Apesar do avanço chinês, os EUA mantêm superioridade militar significativa. Em 2024, o orçamento militar americano atingiu cerca de 950 bilhões de dólares, contra 215 bilhões da China e 70 bilhões da Rússia, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres. A capacidade naval americana também permanece incomparável, exigindo a soma de 40 marinhas globais para igualar seu poder de fogo. No entanto, avanços tecnológicos chineses, como os jatos de última geração utilizados pelo Paquistão em confrontos com a Índia, indicam uma redução da distância tecnológica em algumas áreas.


A Ucrânia exemplifica as tensões entre esses blocos. O conflito, iniciado em fevereiro de 2022, é descrito como uma disputa entre a OTAN e a Rússia, com a Ucrânia funcionando como um instrumento estratégico. A Rússia, classificada como potência regional por Obama em 2014, busca proteger suas fronteiras contra a expansão da OTAN, percebendo a presença de armas ocidentais na Ucrânia como uma ameaça existencial. A crise foi agravada por ações como a assinatura de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e a China em 2020, que desafiou a hegemonia americana e intensificou as tensões geopolíticas.


A tentativa de mediação do Papa Francisco, embora simbólica, carece de força militar para influenciar diretamente o conflito. A Rússia, sob Putin, mantém uma postura defensiva, focada na segurança regional, enquanto a China desempenha um papel de contenção, como na moderação do Irã após os eventos de 7 de outubro de 2023, garantindo estabilidade para proteger seus interesses econômicos.


### Bimultilateralismo e o Futuro da Governança Global

O conceito de bimultilateralismo, proposto pelo pesquisador indiano Sandai Abaru, descreve a reorganização da governança global em torno de dois polos de poder, com a China liderando uma rede de influência baseada em comércio e infraestrutura, e os EUA mantendo sua hegemonia militar e tecnológica. A China, ao oferecer benefícios tangíveis, como aeroportos e portos, contrasta com a abordagem ocidental, frequentemente percebida como moralista ou punitiva.


A superioridade econômica dos EUA, com um PIB de 28,7 trilhões de dólares em 2024, contra 18,8 trilhões da China, ainda é significativa. No entanto, a China supera os EUA em agilidade na aplicação de ciência, como no desenvolvimento de carros elétricos, e em paridade de poder de compra, especialmente para sua população de 350 milhões que vive em condições comparáveis às do Ocidente. Apesar disso, a dívida social chinesa, com cerca de 700 milhões de cidadãos em condições precárias, limita sua capacidade de igualar os EUA no curto prazo.


### Conclusão

A governança global está em transformação, com a ascensão da China desafiando a hegemonia ocidental. A competição tecnológica, o poder econômico e as alianças regionais redefinem o equilíbrio global. Enquanto os EUA mantêm superioridade militar e econômica, a China constrói uma rede de influência baseada em comércio e infraestrutura, consolidando sua posição como ator central. Conflitos como o da Ucrânia e o avanço de projetos como a Belt and Road Initiative ilustram a complexidade desse novo cenário, marcado por um bimultilateralismo que opõe dois modelos de poder em um mundo cada vez mais polarizado.



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